Doutor Wanderley, o coveiro e o defunto

Márcio Magno Passos Único médico na cidade, doutor Wanderley acabara de entrar em casa debaixo de um temporal nunca visto. Estava exausto após um dia inteiro de andanças pela zona rural, atendendo o sofrido e carente povo da roça. Médico exemplar e de alto espírito humanista, ele gozava de grande prestígio e respeito de toda a população. Mal esticara as pernas sobre o sofá, tocaram … Continuar lendo Doutor Wanderley, o coveiro e o defunto

O anjo

Guilherme Scarpelliniscarpellini.gui@gmail.com Com a reabertura da cidade, um prédio comercial de alto padrão voltou a ficar movimentado. É um entra e sai dos escritórios, consultórios, lojas; e um sobe e desce dos elevadores lotados. Até as escadarias de incêndio estão apinhadas de gente. O problema é justamente este: gente. Em especial, gente que anda por aí sem máscara. Três jovens advogados, que conhecem as leis … Continuar lendo O anjo

A Estrela do Mar

Rosangela Maluf Nos últimos trinta anos, Esther nunca tivera uma cama só pra si. Três relacionamentos – coincidentemente com duração de dez anos cada um – fizeram com que sua cama fosse, irremediavelmente, compartilhada por longos tempos. Quero dizer, a cama de casal. A cama, com aquele colchão enorme do qual só lhe cabia uma pontinha, onde se espremia, dormia e, às vezes, sonhava. Mas … Continuar lendo A Estrela do Mar

Continho de ficção científica

Guilherme Scarpellinscarpellini.gui@gmail.com Era ainda menino, com os joelhos ralados e o nariz escorrendo, quando Pedrinho começou com essa mania de esconde-esconde. Dava a hora do almoço, e o moleque escondia-se no armário. A mãe dele, coitada, o procurava em todos os cantos, e nada de Pedrinho aparecer. De repente, aparecia — e a marca do chinelo na bunda também. Nem a professora ele perdoava. Uma … Continuar lendo Continho de ficção científica

Eu & eu comigo

Rosangela Maluf Faria cinco meses naquela semana!  Um isolamento social severo, o distanciamento recomendado, o uso da insuportável máscara, o álcool gel na bolsa, a higienização das mãos e de tudo o que fosse comprado, antes de ser guardado, já em casa. Nada de amigos, família, abraços, beijos, papos em dia, nada! Acordar às sete horas, o pequeno ritual da manhã e meia hora de … Continuar lendo Eu & eu comigo

Corcel 73

Guilherme Scarpelliniscarpellini.gui@gmail.com Era mais bem tratado que muita gente. Abastecido com gasolina cara, encerado com paninho de estopa, cheirinho no interior, estofados muito bem cuidados e nem uma marquinha de dedos no retrovisor. Não te disse? O Corcel 73 era mesmo mais bem tratado que muita gente. E ai de quem pedisse para dar uma voltinha. O velho enciumado inclinava a cabeça e devolvia aquele … Continuar lendo Corcel 73

A cachorra Bisteca

Guilherme Scarpelliniscarpellini.gui@gmail.com Um continho de terror… Toda quarta-feira era assim: d. Vitória não tinha sossego. Noite de futebol na tevê, Fabiano, o marido beberrão, se esparramava no sofá. Abria a primeira lata de cerveja, estirava as pernas pro alto e enchia a mão de amendoim torrado. Fazia da barriga grande e espalmada a sua mesa de bar. Bisteca, a cachorra aborrecida, via aquilo tudo e … Continuar lendo A cachorra Bisteca

Um Sintoma Especial

Rosangela Maluf A pandemia já durava cem dias. O mal que conseguira se espalhar pelo mundo todo, fazia com que aqui, em Serra Escura, seus efeitos absurdos e alarmantes se mostrassem ainda mais intensos e diversificados, a cada dia. Num primeiro momento foram todos – especialistas e sem nenhuma especialização – para a televisão, para os jornais e para as redes sociais informar à população … Continuar lendo Um Sintoma Especial

Uma certa mulher ao espelho

Rosangela Maluf Essa mulher em frente ao espelho sou eu. Envelhecida, trago no rosto profundas rugas. Tenho o semblante pesado e tristonho. Essa mulher sou eu? Acendo a luz e me sinto ainda pior. O que vejo não me agrada. Levo um tempo tentando observar melhor as marcas que o passar dos anos tem deixado em mim. Respiro fundo, mas não choro. Minhas lágrimas secaram. … Continuar lendo Uma certa mulher ao espelho

A Revolução

Guilherme Scarpelliniscarpellini.gui@gmail.com A peste estava às soltas nas ruas de Belo Vertical. Jamil, o prefeito da cidade, preocupado com o povo, decretou um baita “nada disso” por aquelas bandas. Nada era permitido. Nada de botequim, nada de perambular por aí, nada fuxicar a vida dos outros com a vizinhança. Ainda assim, vez ou outra os guardas de Jamil precisavam dispersar um carteado aqui e um … Continuar lendo A Revolução