Vinte e dois

Já posso avistar o apocalipse logo ali, a um sábado de distância de nós: o domingo. É quando o Brasil decerto enfiará goela abaixo alguns miligramas de cianeto na forma de dois patos no lago Paranoá — o temível, o abominável o execrável 22. Vinte e dois de Bolsonaro, de retrocesso, de ignorância, de planeta e cabeças quadradas, de desmatamento, de miséria, de fogo, de … Continuar lendo Vinte e dois

Dahmer somos nós

O que você faria se, do apartamento ao lado, exalasse um cheiro de putrefação constante, somado a gritos de horror na madrugada e movimentação suspeita? A vizinha, pobre e preta, chamou a polícia. Duas, três, quatro, dez vezes. Em nenhuma delas, a denúncia foi sequer registrada. É que o suspeito é branco, loiro, olhos claros. E o país são os Estados Unidos da América, onde … Continuar lendo Dahmer somos nós

Do cinza à escuridão

Guilherme Scarpellini Mentes prolíficas, a todo tempo criando, arquitetando e se inquietando contra tudo e contra todos, me interessam. Jô Soares padecia desse tipo de inteligência compulsiva. Quando já era dono de um patrimônio intelectual, tendo criado alguns dos mais marcantes personagens do humor brasileiro, inaugurou um formato de programa na tevê brasileira, que já era sucesso nos Estados Unidos: o talk show. Em 28 … Continuar lendo Do cinza à escuridão

Mais um gole

Guilherme Scarpellini scarpellini.gui@gmail.com Todos os dias depois do expediente, Raul tomava três chopes com os colegas de trabalho. Às vezes, os rapazes se entusiasmavam, e a bebedeira ia até a quinta rodada. É nesta hora que Raul escutava aquela voz. (Só mais um gole, Raul. Você consegue, cara!) Então ele se despedia dos colegas, dava uma volta no quarteirão e, certificando-se de que os outros … Continuar lendo Mais um gole

O fracasso do Diabo

Guilherme Scarpellini Daniel se afastou de Deus. Bebia demais, vadiava demais e de mais a mais, se metia em toda sorte de confusão. Atento às transgressões de Daniel, o Diabo encontrou nele as condições perfeitas para se manifestar. Tratou de materializar na vida do jovem infrator os seus truques imundos, seus jogos obscuros e suas tramas cheias de maldade. Uma noite dessas, Daniel dirigia bêbado. … Continuar lendo O fracasso do Diabo

Onde habitam os fantasmas

Guilherme Scarpellini Alguém precisa fazer o trabalho sujo, e Sebastião o fazia de mau humor. Limpar os banheiros da rodoviária certamente não é o tipo de serviço que você faz sorrindo. Com pouca saúde, quase nada de instrução e menos ainda de dinheiro, foi o que sobrou para Sebastião. Não bastasse ter de pôr a mão na merda, o maldito lugar era ainda mal-assombrado, pelo … Continuar lendo Onde habitam os fantasmas

O mistério no observatório

Guilherme Scarpellini Magricela com peito escavado, espinhas espalhadas pelo rosto, óculos de fundo de garrafa e um punhado de revistinhas da Marvel debaixo do braço. Sim, Bernardinho congregava todas as características de um nerd em um só corpo mal-ajambrado de pré-adolescente. Só por uma façanha ele se destoava dos outros meninos de sua idade: aos 13 anos, o rapaz já dirigia a caminhonete vermelha Ford … Continuar lendo O mistério no observatório

Desequilibrado

Guilherme Scarpellini Sabe-se que o equilíbrio é a chave para a higidez de qualquer sistema, seja ele micro (nosso corpo e alma, nossas finanças, nosso lar) ou macro (nosso bairro, nossa cidade, nosso país). O Brasil, todavia, tem a mesma capacidade de se equilibrar que um bêbado com labirintite sobre a corda bamba. Dois foram os últimos episódios que escancaram os passos desequilibrados de um … Continuar lendo Desequilibrado

Para onde vão os gatos à noite?

Guilherme Scarpellini As luzes dos postes se acendem lá fora, e o gato Poe começa a se agitar. Devora o pires de uma gororoba que fede a peixe podre, alonga o seu corpinho esguio, mia para dizer que é dono de si mesmo e pula a janela. É hora de cair na noite. A última vez que saiu de casa, passou dois dias e três … Continuar lendo Para onde vão os gatos à noite?

Pirei

Guilherme Scarpellini Às vezes acontece. A semana é cheia, as prioridades são priorizadas, a segunda vira sexta-feira e, quando vai ver, não entreguei o meu texto. Paciência, leitora (mamãe). Escrevo, mas não sou escritor. Sou mais um soldadinho tentando sobreviver a esta eterna grande guerra pessoal que cravamos contra nós mesmos. Todavia, como cereja é chuchu, disfarço bem, e quando quero, sou escritor — remeto … Continuar lendo Pirei