Anohni

Tais Civitarese Antony passou batom. Penteou os longos cabelos negros. Aplicou pó compacto sobre a pele clara e imaculada. Vestiu um figurino composto por uma blusa de franjas aplicadas sobre um vestido em tricô. Antony sentou ao piano. E cantou e tocou uma música extremamente bela sobre a angústia em torno da morte. A voz de Antony é uma junção entre o grave e o … Continuar lendo Anohni

Reflexões sobre a catastrofilia

Tais Civitarese É sabido que boa parte dos jornais vive de publicar más notícias. São estas as que geram mais interesse, as que chamam mais a atenção. Existem periódicos dedicados quase que exclusivamente ao relato de crimes. Vendem como água e não se pode dizer que agregam nenhum outro tipo de informação. Tive uma vizinha que adorava contar tragédias. A cada encontro, era uma pior … Continuar lendo Reflexões sobre a catastrofilia

Maternidade

Tais Civitarese Tornei-me mãe aos 31 anos. Já havia percorrido alguns caminhos. Já tinha uma profissão, vários empregos, amigos, convivência em família. Já tinha morado em dois países e já tinha, eu mesma, participado de inúmeros nascimentos. Entretanto, pouco me lembro conscientemente das coisas que vivi antes daquele dia. Parecem tratar-se de uma outra pessoa, de uma outra vida. Mesmo sem nunca ter sonhado em … Continuar lendo Maternidade

Hater

Tais Civitarese Breno não tinha nada para fazer. Como de costume, resolveu entrar na internet. Naquele domingo à tarde, ele poderia ter arrumado sua cama e seu quarto. Poderia ter lavado os copos que estavam sobre a pia. Poderia também ter aguado o vaso da jibóia, que apesar de verde, padecia seca na prateleira da sala. Porém, ele preferiu aconchegar-se no sofá e rolar o … Continuar lendo Hater

Devorador de livros

Tais Civitarese O cachorro deu para comer meus livros. Isso me trouxe um profundo desgosto. Ai de mim se abandonar um exemplar sobre o sofá. É fato que em poucos minutos, será encontrado aos pedaços na garagem, recoberto por terra, irrecuperável. Com o outro cão, eram os sapatos. Talvez isso indique algum tipo de evolução (canina ou minha?). Talvez isso simbolize algo. Descobri esse pendor … Continuar lendo Devorador de livros

Estrangeiro

Tais Civitarese De uma certa maneira, somos todos estrangeiros. Nosso país não é nosso, e sim dos que estavam aqui antes de nós. A língua que se fala aqui não fomos nós que criamos. Quando chegamos, tivemos tudo a aprender. O que acontece à nossa volta, mesmo por perto, mesmo em ambientes conhecidos, pode ser muito estranho. “Não se encaixar” é um sentimento da maioria … Continuar lendo Estrangeiro

Papai e a direção

Tais Civitarese Tirar carteira de motorista foi o primeiro grande desafio de minha vida. Foi a primeira travessia entre uma atividade da qual eu tinha completo pânico para um estado de superação e calmaria. Tudo, porém, começou bem antes dos meus 18 anos. E, para explicar isso, tenho que falar sobre papai. Papai ama carros, sempre amou. Tinha como hobby experimentar diversos modelos, visitar as … Continuar lendo Papai e a direção

Em defesa dos tímidos e lentos

Tais Civitarese Quando fiz prova de residência para pediatria, fui aprovada em alguns hospitais. A Santa Casa de Misericórdia foi um deles. Nesse serviço, além da prova, era necessária uma entrevista como segunda etapa para avaliação dos candidatos.  Ao enfrentá-la, as perguntas foram simples, a maioria relacionada ao trabalho. No entanto, uma delas me pegou desprevenida: “Cite um defeito seu”. Ao contrário dos clássicos: “sou … Continuar lendo Em defesa dos tímidos e lentos

Violência doméstica

Tais Civitarese Minha avó sofreu violência doméstica. Toda vez que vejo um caso sobre o assunto, me lembro dela. Minha avó era uma pessoa doce e gentil. Muito inteligente e simples. Meu avô tinha “personalidade forte”. Era homem de seu tempo… Percebi em vovó que as marcas do que ela sofreu perduraram por muitos anos, mesmo um longo tempo após a cicatrização de suas feridas. … Continuar lendo Violência doméstica

Resoluções

Tais Civitarese O telefone toca sem parar um número desconhecido. Já é a terceira vez. Nada fará com que atenda, pois tem por princípio não deixar que as demandas alheias lhe roubem o pouco tempo matinal que possui. Olha para a tela que acende com um quê de desprezo. Ignora. Segue sentada na cozinha, imersa em sua leitura da crônica diária de Amália Fontes, sua … Continuar lendo Resoluções