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Homens não são românticos

Sílvia Ribeiro

Dizem que homens não são românticos. 

Creio que seja a dificuldade de grandes demonstrações de sentimentos que tenha dado a eles esse rótulo. É uma modalidade intrínseca na natureza deles que as vezes flui naturalmente. Pelo menos da maioria. 

Há pouco tempo tive uma grata surpresa que contradisse essa teoria. 

Conversando com um amigo sobre as dificuldades que existem nos relacionamentos e todos esses aparatos que a gente carrega nas costas quando decidimos nos envolver com alguém. Parece que vamos para uma guerra, tamanha a quantidade de suprimentos que reservamos para sobreviver.

Sabemos que não podemos esquecer a importantíssima farmacinha. Band-aid para o cotovelo, merthiolate para o coração, dipirona pra dor de cabeça. E todos as instruções de manobras possíveis e impossíveis. 

E num dado momento, ele começou a me falar sobre a sua ex mulher, que agora me parece ser a atual novamente. Pelo menos até o momento dessa minha narrativa. 

Junto daquelas palavras tinha tanto amor, tanta admiração, tanto carinho, tanto vem que eu te seguro, que me tirava da cadeira me deixando leve. E sobretudo, um desejo aceso que dava gosto de ouvir. 

Confesso, que me emocionei e me transportei pra dentro daquele cenário com a facilidade que me foi concedida desde muito pequena, quando eu ainda transformava vários personagens da vida real em verdadeiros príncipes e princesas.

A impressão era que aqueles sentimentos ainda respiravam livremente sem que fosse preciso uma intervenção mais aguda ou uma respiração boca a boca. Havia vida nos seus olhos. Se bem que, respiração boca a boca é bem sugestiva para o caso. 

Uma hora ele me disse assim:

Putz! Ela é muito gostosa. 

Aquilo era a maneira mais estranha e ao mesmo tempo mais elegante de deixar o lado de dentro falar. E eu fui dando asas a minha imaginação sem freios e com uma vontade enorme de ser a musa daquela emoção saliente e cheia de detalhes pitorescos.

Era o jeito mais visceral de dizer eu te amo. 

Me impactei com aquela coragem que ele tinha de se expor, e com aquela intensidade máscula comendo as palavras como quem sabe do que está falando e não tropeça no medo. 

Depois de alguns cafés e pães de queijo nos despedimos, já pensando num outro encontro pra falar das nossas aventuras, coisa que nos dava imenso prazer. No decorrer do calendário nos tornamos cúmplices, ouvintes, malucos, e terapeutas de mesa de bar, sem perder o individualismo dos nossos tombos. Cada um tinha o seu lugar preferido de se esfolar. 

Segui o meu caminho à passos lentos tentando digerir aquela história, e durante o trajeto um vento fresco lambia o meu rosto como se quisesse participar das minhas questões. Porém, aquelas palavras não saiam de dentro de mim dando piruetas em volta do meu cérebro e me deixando cada vez mais atônita. 

Me senti diante de um extraterrestre, uma alma de outro mundo, uma aparição, ou sei lá mais o quê. Um homem romântico? Como assim? 

Fiquei pensando:

Será que alguém um dia já falou isso de mim?

Quem sabe… 

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