Na semana em que contávamos 10 mil mortos por “gripezinha”, Bolsonaro contaminava o Lago Paranoá com seu jet ski e Regina Duarte nos fazia engolir os versos de “Pra Frente, Brasil”, enfim, uma boa notícia: vou ser titio.
Eu já sabia desde o início da semana, quando a Alessandra, minha irmã, ligou perguntando quantos fios de cabelo brancos eu tinha na cabeça. “É o suficiente para ser um bom tio”, disse ela, concluindo pelo meu grisalho de botar inveja em William Bonner.
Mas guardamos a boa nova até o último domingo, quando foi a vez de os meus pais saberem. Os ânimos já estavam exaltados com essa saudade doída, e marcamos um Zoom para simular um almoço tradicional de Dia das Mães.
Aparecemos na tela, e ela disparou: estou grávida. Foi a primeira vez que vi o meu pai chorar. Pena que durou pouco, pois o homem sisudo levantou-se da cadeira e, desconfio, terminou de chorar no banheiro. Pouco depois ele reapareceu com a cara vermelha e um sorriso bobo de avô.
Brincamos que se for menino, se chamará Alquingel. Se menina, Cloroquina. Rimos muito, choramos mais e despedimos-nos felizes e emocionados. Até que a realidade dura do isolamento se impôs novamente.
Como almoço virtual não enche o bucho, precisei sair para conquistar a minha sustância.
Aventurar-se pelas ruas da Savassi a caminho do supermercado em domingo de quarentena é como atravessar um cenário pós-apocalíptico. Os entregadores são os únicos sinais de vida. Eles desbravam a cidade finada como motoqueiros fantasmas.
Há também os miseráveis e desamparados, que perambulam pelo deserto de prédios atrás de miragens de misericórdia.
Um deles veio até mim e descobriu que eu era gente mesmo, dessas de carne e osso e máscara. Com um receituário nas mãos, ele dizia que o seu filho precisava de leite em pó. R$40! Num país em que fazer as unhas é atividade essencial, leite em pó é tão importante quanto a cor do esmalte da Pugliesi.
Com o dinheiro minguado no bolso, ofereci o que tinha no peito: um pedaço de coração cortado.
Segui cabisbaixo até o supermercado e, de repente, na esquina com a Antônio de Albuquerque, uma boa notícia. Ou melhor, três boas novas: um violão, um trompete e uma caixinha de som.
Dois músicos na calçada davam uma canja de música boa, enquanto moradores dos prédios acompanhavam do alto de suas varandas.
Quando passei por eles, o violão chorou os acordes tristes de uma canção do Pink Floyd. Então o trompete soprou a melodia do refrão, e eu cantei em silêncio para mim mesmo: How… how I wish you were here… Eu também queria que você estivesse lá para ver.
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