Guilherme Scarpellini
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Deixou o café esfriando na mesa e pôs a se arrumar. Não pretendia atrasar-se logo hoje, no seu primeiro dia.
Entrou no uniforme, escovou o seu pequeno bigode e, numa olhadela ao espelho, ajeitou a plaqueta presa ao peito, onde se lia – inspetor.
E saiu para trabalhar.
O inspetor inspecionava uma fábrica de apertar parafusos. Dois tipos trabalhavam lá: os que apertavam parafusos e os que mandavam os apertar.
Os primeiros tinham os rostos lavados pelas lágrimas da miséria. Enquanto os outros, quanto mais poderosos e importantes, maiores os bigodes adornando-lhes as caras.
Corria a história de que o bigode do patrão formava dois arcos enormes, enquanto a barba descia até o peito. Mas ninguém nunca viu.
Via-se apenas que o inspetor cultivava uma penugem modesta. O que era o bastante para inspirar alguma autoridade entre os seus subordinados.
— Alto lá! – advertiu o inspetor diante do trabalhador que parou para descansar. O homem, sem um pelo sequer no rosto, quase morreu de susto e voltou a trabalhar. Mas deixou passar alguns parafusos sem apertar.
— Descontarei cada parafuso frouxo do seu salário — sentenciou o inspetor.
Mal havia ele terminado de punir o pobre e coitado, quando percebeu um burburinho vindo do lado de lá. Era um desses trabalhadores, de cara lavada e língua solta, que tagarelava sem parar.
— Alto lá — reprimiu o inspetor. — Cada palavra dita será descontada do seu salário.
O trabalhador corou a face pelada, engoliu a conversa fiada e voltou a trabalhar. Ouviu-se apenas o ressoar de parafusos a apertar.
Até que o silêncio foi atravessado pelo timbre agudo de uma chave de apertar estatelando-se ao chão. O que deixou o inspetor muitíssimo irritado.
— Alto lá todo mundo! Quem foi o miserável descuidado de barba rala e mão furada?
Um homem com a pele de bumbum de nenê apontou para o colega, igualmente de cara pálida, que tinha a ferramenta caída aos seus pés, denunciando ser o próprio autor do deslize.
— Descontarei do seu salário cada segundo de distração. Todos ao trabalho, já!
Tendo passado a descompostura na turma, dali a pouco o inspetor flagraria o pior: deparou-se com um homem fumando tranquilamente o seu cigarro, enquanto parafusos eram deixados sem apertar.
Era o fim da picada.
O inspetor agora estava disposto a dar um puxão de orelha exemplar. Aproximou-se, lentamente, por trás do transgressor e soltou, a plenos pulmões, o grito de advertência.
— Alto lá!!!
Mas quem virou, num pulo só, exibia um enorme bigode ao estilo Salvador Dalí e uma barba no padrão Eduardo de Ávila.
Foi o primeiro — e o último — dia do inspetor na fábrica de apertar parafusos.