A crença e a religiosidade de cada pessoa

Eduardo de Ávila

Nascido e criado sob o regime conservador do catolicismo, posso afirmar sem medo de errar e tampouco em cometer qualquer sacrilégio – como quase tudo lá é assim tratado – que cresci carregando esse peso. Custei a entender e me desvencilhar da culpa católica. Desde a primeira infância até boa parte da adolescência, me sentia (ir)responsável até por ter nascido. Em tudo eu era errado e culpado, até por reagir a um massacre de bullying – sob o olhar cínico e displicente de sacerdotes salesianos – que privilegiavam o temor a Deus e não o amor ao Criador.

Enfim, assim fui seguindo, atento e observando tudo ao meu redor. Dito e tido como aluno “malandro”, era assim a acomodada leitura dos padres professores, pelo rendimento escolar – que caiu vertiginosamente – com a omissão dos rigorosos disciplinadores educadores e da doutrina religiosa. Alcoolismo juvenil instalado e com longa duração, a cada momento mais grave e agressivo. Ainda assim, apesar de alguns descrentes quanto ao futuro, conquistei espaços profissionais e boas relações. Dois cursos superiores e quase 30 anos de trabalho – de um total que já beira 50 – no mesmo empregador.

Aos poucos, reagindo de maneira solitária e vitoriosa, deixei o cigarro (era só do careta, embora convivendo com quem tentasse destruir afirmando ser do doidão) e, posteriormente, a bebida (eleita tão somente a cerveja, com reconhecido exagero no consumo diário). Concomitantemente a isso, busquei algum verdadeiro sentimento de religiosidade e fé. Passei por várias experiências, menos do que a imaginação sugerisse, até me encontrar no kardecismo, que me trouxe alento, conforto e vontade de viver bem comigo e com as pessoas ao meu redor. Na infância, uma casa espírita ao lado dos meus avós, me era dito que lá morava o capeta. Pode isso?

Conheço muita gente católica séria, desde sacerdotes até devotos dessa/e ou daquela/e santa/o, mas ainda reconheço nesse meio quem sua prática em nada acompanha a pregação. Diria, num chutômetro, no segundo grupo, até mais pessoas que nos verdadeiros seguidores dos ensinamentos de Jesus e do nosso Pai Criador. Enfim, cada qual com suas responsabilidades e convicções, mas que pratiquem o que adoram pregar. Notadamente, basta uma mínima reflexão, o verdadeiro sentido de justiça entre os homens. Justiça social e combate à fome, miséria e exploração. Assim como Jesus pregou em sua peregrinação. Isso não é ideologia política, e sim muito mais religiosidade, embora não queiram perceber. Enfim…

Tive uma passagem de curta duração com evangélicos. Assim como na primeira experiência, encontrei pessoas de bem e verdadeiros apóstolos da palavra de Deus, mas – lamentavelmente – invadidos por pastores picaretas que exploram a fé e a carência de pessoas vulneráveis. Jesus, se voltasse mesmo à terra, ficaria horrorizado com os usurpadores da palavra divina que subtraem dinheiro de pobres e miseráveis em busca do reino dos céus. Uma vergonha. Daí, já por mais de 20 anos, optei pelo kardecismo. Lá encontrei também gente assustadora, tenho dois casos que me arrepiam, porém nunca foi sugerido carga de culpa ou doar parte da minha renda para bancar a vida de falsos pastores. Encontrei a paz e aprendi a perdoar pessoas e situações que me incomodaram por tempos.

Para fechar a resenha semanal, tenho convicção pessoal e não fico insistindo com quem pensa diferente, que algo nos aguarda ao final dessa passagem pela Terra. Passamos por tantas provações e provocações, que seria totalmente sem sentido e descabido não ter sequência pós cinzas. E, claro, é para minhas observações, que a religiosidade não é fator determinante a isso. Conheço muito ateu que pratica o bem e religioso (que se diz) que carrega a crueldade no colo. Parece se valer de um eventual escudo de suas artimanhas. Na infância ouvia ser uma criança levada, que nada mais era ser tão e somente curioso e astuto, o que me levou depois a passar por longo período de timidez. Até um tanto discriminado. Nada mais eram que reações ativas e ousadas. “Isso não é assunto para criança”!

Renovo minha fé diariamente, com reflexões e contato com o universo que conspira a favor dos nossos desejos. De todas as maneiras. Minhas orações não são as convencionais, que aprendemos no catecismo obrigatório, mas que crio e reformulo a cada novo tempo. Oro pelos presentes e ausentes, esses que a cada dia sinto mais presentes, como se conversássemos na sala de nossa convivência terrena. Tenho muitos casos pessoais de conquistas e recuperação inimagináveis, que passaram e passam por esses momentos, com soluções encontradas durante a noite num sonho que depois somem e se apagam na memória. Isso me conduz a ter essa fé que me alimenta a cada novo dia.

Ah! Com todo o maior respeito, frequento outras celebrações quando necessárias e com a mesma devoção e convicção que vou na casa de orações da minha escolha.

Amém e que assim seja!

7 comentários sobre “A crença e a religiosidade de cada pessoa

  1. Meu bom e querido Dudu.

    Há uma lei psíquica que diz assim: onde estiver aquilo que vc valoriza,
    lá também estará seu coração.
    Vc se apega emocionalmente àquilo que valoriza.

    Nós nos tornamos aquilo que adoramos.
    Quem adora a cachaça, cheira à cachaça – mesmo que seja às 7h da manhã!
    Então, se vc adora algo edificante (fazer caridade é um bom começo), vc se torna verdadeiramente uma pessoa celestial, do bem – no sentido mais amplo da palavra.

    E acredite: toda sua vida se transforma, mesmo que tudo ao seu redor
    permaneça onde está.

    Porque sua casa mental passa a ser construída sobre rocha, não sobre areia.
    E assim vc não delega ao outro a tarefa de escolher os seus caminhos.

    A religiosidade está dentro de nós mesmos.

    Todas as experiências religiosas que tivemos/temos são/foram experiências válidas
    para o nosso crescimento espiritual. Como vc disse tão bem, não há nenhuma religião ruim.
    Há religiosos equivocados. As religiões são sempre boas, porque todas
    elas se constituem escolas educativas do espírito imortal.
    Todas apontam invariavelmente para Deus e para suas leis divinas que
    regem nosso destino
    Portanto, as religiões são sempre boas no seu fundamento, mas os
    religiosos se equivocam.
    Os religiosos se desviam, eles se afastam das origens da suas religiões
    e passam a deturpar o ensino puro.
    Assim como a nascente de um rio pode ser deturpada ao longo de seu
    percurso assim também, na história da religiosidade humana, as mentes
    perturbadas
    pelo orgulho, pela ânsia de poder, pela vaidade e pelo personalismo
    mancharam a fonte pura das religiões da Terra, provocando guerras
    sangrentas de domínio,
    de perseguição, de exclusivismo.

    Reflexões com essa sua ajudam-nos a enxergar e a tentar reverter esse quadro.

    Parabéns.

    Sassá
    BH, 10 7 -24

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