Nos embalos da nostalgia que ainda resta

Meu novo habitat tem me permitido experiências que estão me surpreendendo. Reduzido pela metade dos metros quadrados que dispunha, jamais imaginei que fosse exercer a delícia do desapego. Guardava tudo, até saco de pão, que uma hora pode ter alguma utilidade, assim dizia. O mais duro e difícil foi ter de selecionar souvenires do meu Galo, por absoluta falta de espaço.

Mas, desde os sacos de pão, móveis, utensílios e roupas, tudo teve bom destino. Duas geladeiras e dois fogões, uma dupla para a pessoa que organiza minha casa tem quase 20 anos e a outra para a faxineira do meu novo prédio. Livros para o vendedor sebo bem na frente daqui. De tudo um pouco seguiu para melhor proveito e ainda estou sofrendo com meus CDs e DVDs. Tem tanta coisa boa, notadamente MPB, que minhas lembranças estão me torturando por abdicar.

Mas, no domingo, agora com tempo mais livre para dedicar a mim mesmo tive um início de semana em total devaneio. Ao zapear as redes sociais deparei com postagens que me chamaram a atenção e a nostalgia me absorveu consumindo todo o dia de folga do início da semana. Antes tenho de contar, para ir até meu trabalho, daqui vou e volto de ônibus. Porta a porta, com o carro em descanso na garagem – passagem 0800 pela idade – e ao retornar fico no meu antigo quintal de Belo Horizonte. A Savassi como todo o seu charme.

Mas, afinal qual foi a viagem que me tocou e me trouxe aconchego nesse início de semana? Do nada, descobri um grupo que se chama Diabeisso, onde estão posts curiosos e mesmo absurdos dos tempos atuais. As duas imagens desse post, alto e meio do texto, foram extraídas de lá e me embalaram, motivando essa postagem de hoje. Banana descascada e ovo já quebrado e ensacado. Pode isso! Tempos modernos, mas – convenhamos – tristes. Daí minha solitária divagação. Ainda bem que tive uma infância bem rural.

Colhia ovo ao final do dia, sempre deixando um de indez (sabem o que é isso?), cortei cacho de banana cheio de penca (sim, cacho!). Apanhei manga, abacate, laranja, mexerica e limão “trepando nas grimpas das árvores”. Corri no quintal da fazenda pra pegar um frango e assistia ser depenado. Até mesmo matar capado (porco engordado na ceva), onde tudo era aproveitado. Além da carne, gordura pra cozinhar e até fazer sabão. Cedinho a ordenha manual do leite, que virava queijo artesanal e depois passou a ser entregue para os grandes laticínios.

Assim foi minha infância e primeiros tempos da adolescência. De lá para cá, já por décadas, urbanizado escolhi o campo da resistência. E agora, já descendo sossegado os degraus de uma gratificante caminhada, presencio os dias contemporâneos. Muito egoísmo, gente imatura e arrogante, que imagina o frango como um produto industrializado – bicho branco e morto – dentro da geladeira. Só viram assim, tenho pena, mas nem sabem das penas. Ovo ensacado, banana descascada, enfim é o perfil dessa gente jovem e envelhecida. Despudorada e sem charme que defende o capitalismo selvagem e seus preconceitos. Não sabem como e de onde vem hortifrutigranjeiros e produtos de origem animal com seus derivados de produção artesanal. Romântica atividade, saudável, rica em nutrientes e que alimentam essa cadeia produtiva. Não sabem sequer descascar uma banana. E os ovos ensacados? Em sentido amplo! É cada uma. Phode? No creo!

Em tempo: hoje é dia de lançamento e festejar em torno da escritora Daniela Piroli. Nossa rainha do blog, não fosse ela esse espaço não teria sequência. Fruto de sua dissertação de mestrado, ela vai autografar à partir de 18h no Ah!Bon do Diamond, “os sentidos do luto: vida após suicídio“. O livro tem como objetivo a reflexão sobre um tema tão negligenciado tanto na clínica quanto na academia. Encontro marcado!

 

*imagens: extraídas do grupo Diabeisso

2 comentários sobre “Nos embalos da nostalgia que ainda resta

  1. Eduardo, Eduardo! Que belíssimo texto!
    Como frequentador do nosso Canto do Galo,eu não conseguiria não gostar dessa dissertação!
    Abraços!

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