Molduras caindo do alicerce

Sempre vivi, me sinto privilegiado, ao lado de inúmeros amigos. Ao longo dos tempos, mais de 60 anos e menos de 70 – na exata metade das duas marcas -, colecionei boas relações. Desde a infância, passando pela intensidade da juventude e até hoje na minha ainda vida profissional. Preciso me aposentar. Uns passam, mas muitos ficam para sempre, ainda que com menor assiduidade e proximidade de outros bons tempos.

Ao meu sentir, são como aqueles quadros que penduramos dentro de casa. A todo momento são notados e observados. Costumo parar na frente de alguns na sala, nos quartos ou no corredor e viajar no universo da imagem. Assim, são com meus amigos, sempre que me encontro ou lembro de algum, entro num transe dos momentos que vivemos juntos. São sempre recheadas de uma boa dose de molecagem. Entre aqueles que se opõem ao meu jeito de ser, refiro a quem não me curte, têm e merecem o meu respeito!

Porém, se somados não chegam aos cinco dedos de uma das mãos e tampouco perto de cada um dessa grande e invejável coleção de bons amigos que a vida me presenteou. Amigos presentes a amigos ausentes – que a cada novo momento – cresce em número e deixa uma dor enorme e doída, insistindo em fazer morada no meu sentimento. Por mais que tente resistir, aos poucos, segue dilacerando a alma, o coração e o pensamento otimista que tento manter aceso e acordado.

Na semana próxima passada foram duas baixas de pessoas muito queridas. Ambos assinando Júnior e lá do Araxá. Álvaro, de sorriso fácil e largo, nos divertia com sua irreverência. Comandava um fogão com maestria, muito antes dessa arte ser chamada de chef de cozinha. Lázaro, contido e irremediavelmente carregando uma leveza que trazia paz e harmonia nas prosas. A quase timidez do Lazinho, não escondia sua verve crítica. Era sagaz. O primeiro, parceiro de republicas e boas noitadas. O segundo, companheiro desde os bancos escolares no primário e dos primeiros tempos de Belo Horizonte, sempre juntos nos jogos do nosso time e – quando eu conseguia arrastar – numa roda de boteco. Era resistente. E foi numa ocasião dessa que conheceu Tânia, o amor da sua vida. Os dois amigos de uma vida inteira.

Nesse clima e ambiente de velório, ainda que a distância, mergulhei em puxar pela memória tantas pessoas que me foram caras e não estão mais por perto. Que falta! Na família, papai e mamãe, além de dois irmãos e três cunhados. Entre avós e avôs, tias e tios, mais de trinta e o dobro somando esposas e maridos – na casa materna foram 17 filhos e paterna 12 – somando gente demais pra tomar a benção. Hoje são quatro tias que ainda nos privilegiam com suas presenças. Fortes e presentes!

Entre esses, um padrinho – tio Orlando – que era ídolo. Um mito! Quando meus pais viajavam, eu penava.  Rígido dizia com muita energia em um misto com ternura: “na falta do pai quem manda é o padrinho”. E eu obedecia incontinenti!Tinha, concomitantemente, tanto bravura quanto brandura. Parecem ser antagônicas, mas quem o conheceu reconhece.

Seguindo. Entre os primos já ser foram dezenas. Tive um mandado de vereador com apenas 24 anos e dos 15 eleitos, somos apenas três ainda por aqui neste plano; em meio aos colegas de Direito e Jornalismo, especialmente do primeiro, também vários se apressaram em ir embora. Participo de algumas confrarias, destes cursos e ainda de redação de jornais e da colônia araxaense em BH. Professoras e professores inesquecíveis. E amiGalos da Massa Atleticana. É muita gente já partiu para a espiritualidade.

Do trabalho e de ações sociais. Da mesa de bar, de tempos bem vividos, até chegar nas cafeterias dos em dias atuais. Lá no tribunal de futebol amador, sou membro tem 15 anos. E os amigos com menor contato, quase que apenas de maneira virtual. Gente que dividiu comigo festejos e amarguras com o futebol e com a política. Na religião sempre tratada com respeito. Ídolos de uma existência inteira. Igualmente, seguiram, deixando saudade.

Recorro a Adélia Prado para fechar o meu sentimento dos últimos dias. “Aqui é dor…aqui é amor…aqui é amor e dor”. Sigam em paz Juninhos – Álvaro e Lázaro – e se juntem aos que mencionei – ainda que em pensamento – e que lhes antecederam nessa nova morada. A da paz celestial. Todos continuarão emoldurando e iluminando corações e mentes daqueles que lamentam cada ausência. Seus quadros terão sempre a nossa pilastra para serem contemplados. Assim seja!

*fotos: arquivo pessoal

10 comentários sobre “Molduras caindo do alicerce

  1. Nossa Eduardo! Quanta emoção ao ler seu texto verdadeiro e triste. E ao mesmo tempo gratidão por ter passado tantas pessoas especiais com vc. Grande abraço!
    Não aposenta não viu. Ainda tem muito em contribuir nessa nossa viagem.

  2. É bom ler você e através da sua escrita lembrar das pessoas que você traz nessa prosa gostosa de um jeito que é só seu. É bom fazer parte dessa sua turma de amiga(o)s! A gente vai juntos, celebrando com quem está ao nosso lado, chorando por quem vamos perdendo, mas sempre fazendo a vida valer a pena. Obrigada por suas palavras amorosas, Eduardo.

  3. É isso aí meu caro amigalo Eduardo Ávila. Gosto muito de prestigiar os seus textos, tanto aqui no Miranto quanto no Canto do Galo. Não se aposente não, vai fazer muita falta para seus caros amigos leitores. Abraços

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