Não espere o amanhã

Silvia Ribeiro

O segredo da longevidade.

É um calendário papeando com a nossa pele e decorando a nossa alma de infância. Sem as adultices do dia a dia correndo o risco de ser devoradas por uma leve brisa de quimeras.

É andar com os nossos pés em nuvens de futuro pedindo pra que ele se transforme em agora. Sem a vergonha de deixar o nosso querer com cara de quem se lambuzou de algodão-doce.

É o tempo visitando a nossa vida já gasta e esquecendo o calor do relógio nos inquirindo pareceres. Sem o tremular de mãos enervadas em painéis de arrependimentos.

É o longear de desejos ocultando os temores que chegam de véspera constrangendo os nossos entusiasmos. Sem a roda gigante do destino fazendo o inverso daquilo que um dia ouvimos falar sobre o que é o amor.

É deixar que a cada anoitecer a lua venha pratear os nossos cabelos e nos cante uma canção de ninar. Sem impedir que a saudade corteje as nossas lembranças e narre tudo o que ela viu quando nos golpeava.

É acreditar que ao amanhecer a vida escreverá uma nova história colocando ponto final onde já não há reticências. Sem duvidar que o lápis será generoso mesmo com aqueles que já não podem mais ler os nossos olhos.

É resgatar os nossos corações de carapuças pra que ele possa se exibir sem avareza e sem abstinência de mimos. Sem deixar de apreciar os laços que foram bordados ao longo do caminho e deixando pra trás todos os remendos.

É injuriar as tristezas com punhais de perdão pra que elas se esmerem em dizer adeus. Sem reviver aquilo que não nos tira mais pra dançar e nem se transforma em música.

É dar aquela piscadinha para o hoje.

Segurar a sua cintura fazendo caras e bocas, dar um cheiro no seu cangote, tirar a sua roupa como quem festeja com a vida.

E permitir que ele nos encontre com a mesma euforia de quem acabou de ter um orgasmo gostoso.

Não espere o amanhã.

14 comentários sobre “Não espere o amanhã

  1. Poetisa e Escritora Sílvia Ribeiro!
    Parabéns!!!
    Texto maravilhoso!
    Uma viagem no passado e futuro.
    Uma reflexão magnífica, que invade a nossa alma.

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