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O sentimento dos animais

Eduardo de Ávila

Nunca neguei minha dificuldade em relacionar com bichos e mesmo bichinhos domésticos. Quando eu era criança, motivado pelo papai, cheguei a ter muitos passarinhos e até mesmo de outras espécies menos comuns. Mas era ele, papai, quem cuidava das gaiolas e da alimentação que deveria ser feita diariamente. Eu só posava de dono daquele tanto de aves e até mesmo de um ou outro cachorrinho lá na fazenda.

Foi lá, não me canso de contar, que um desses cachorros me mordeu na boca. Só porque, na minha inocência infantil, puxei o rabo do danado. Até hoje tenho um medo desses cães, sejam pequenininhos ou daqueles monstros que traiçoeiramente latem quando a gente passa perto de algum portão. “Meu coração até bateu”, disse numa ocasião arrancando gargalhadas e um quase bullying pela manifestação. Seria disparou, claro!

Entre tantos cãezinhos doces que cruzaram meu caminho, duas cadelinhas foram mais amenas na nossa relação. A Lili, da Leila e do Fernando, que carinhosamente era tida e dita como minha afilhada. No nosso primeiro encontro ela foi muito áspera, depois acabou se rendendo à barba – que talvez a assustasse – e até passeamos pelo Pátio. Lili era extremamente dócil comigo, se comportava mesmo como uma afilhadinha. Sinto falta e saudade de segurar sua coleira.

A outra, em tempos já muito antigos, era a Chiquita, da casa do Zé Pena, pai do amigão Abdias. Ela fazia festa pra mim e o patriarca da família Magalhães Gomes foi enfático. “Se a Chiquita gostou de você, sinaliza que é gente boa”. Abrindo assim as portas e adotando um amigo definitivo que acabava de mudar de Araxá para Belo Horizonte. Sério, por pouco fui adotado pelo Zé Pena.

Fora Lili e Chiquita, até tentei quando minha filha era criança, com passarinhos e peixinhos. Tudo adquirido no Mercado Municipal. Os pássaros, me lembro bem, um casal de alguma espécie que receberam os nomes de Mikhail e Raissa, em homenagem ao casal Gorbatchov que iniciava o processo de transformações políticas conhecido como a perestroika. Assim como a Raissa, o casal de aves, precocemente, não resistiu e deixou a casa triste.

Já os peixinhos, tinham os nomes de Caçapa, Gallo (com dois eles), Guilherme e Marques, eram em homenagem aos jogadores do Galo naquela ocasião. Um a um foram também capitulando e deixando um vazio na fantasia que vivia com a filhota naquela tenra idade. Depois disso, lembro de ter resistido bravamente à insistência por um cachorrinho em casa.

Pois bem, fiz toda essa digressão para chegar no meu último final de semana. Solicitado pela minha amiguinha de condomínio, Rosinha – filha do casal Dani (que nos brinda com suas observações aqui na terça à tarde) e Júlio – em cuidar da Dara. É uma peixinha que vive num pequeno aquário. Nesses quatro dias, ao que vivenciei, posso afirmar que todo e qualquer animalzinho tem sentimento. E puro, sincero, honesto e indisfarçável!

Tinha de colocar sua ração duas vezes por dia, manhã e noite, sendo exatas três bolinhas por alimentação. Tentava me aproximar da Dara, com palavras e mesmo alguma expressão do lado de fora da sua moradia. Ela se manteve indiferente à qualquer avanço pretendido. Em algumas vezes, comia logo a ração, noutras parece que desdenhava e só mais tarde percebia que ela tinha alimentado. Cheguei a temer que ela estivesse com depressão e, quem sabe, nem resistir a mudança abrupta de ambiente caseiro.

Pois que, no domingo, dia do retorno da Rosinha, sua irmã Dorinha e de seus pais para Belo Horizonte, eis que a Dara amanheceu serelepe. Sim, no maior assanhamento. Fui colocar a ração e ela dançava naquele pequeno compartimento, como se fizesse uma apresentação de nado sincronizado, embora individual.

Foi comovente, mas tenho de resistir à decisão e seguir em frente, sem animais ao meu lado. Basta eu!

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  • Os animais, na maioria das vezes, tem mais sentimento que nós , os racionais. E não se envergonham de manifestar tristeza, depressão, entusiasmo, alegria, raiva e estranhamento. São transparentes. Tudo que sentem tem causa concreta, não é coisa da cabeça deles, nem preconceito. Basta um gesto ou um tempo que já revertem o sentimento, perdoam, acolhem, acariciam, acompanham e cuidam. Temos uma vira-lata, Isaura, na fazenda. É baratinha, kkkk ,fica feliz com qualquer coisa, qualquer gesto e se precisar, não dorme, em vigília por nós. Amor autêntico e sem interesse.

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