Luísa Bahia
Espontâneo: o que vem assim: “vim!”
Adriana Falcão
Numa certa manhã ensolarada de sábado, eu passeava com os meus sobrinhos, quando o mais velho, Luca, me disse: “Você é tão espontânea, né?” Seu tom não era de elogio, era de estranheza. Também com estranheza recebi o comentário pois, pra mim, a espontaneidade deve ser cultivada por toda a vida e estar presente, principalmente, na infância. Mas consigo compreender o comentário do Luca, que está com 10 anos, e estranha praticamente o mundo inteiro.
Depois chegamos em casa e ele quis me acompanhar na Yoga. Na hora de entoar os Ohms, eu ria por dentro ao perceber a sua risadinha com aquele canto. Depois ele quis jogar capoeira e ensinei um pouco do que sabia. Ele me perguntou como aprender a ter “reflexo”. Expliquei que na capoeira, como no karatê, como nas brincadeiras, como na vida, é preciso praticar a atenção, a disponibilidade, o remelexo. Não adianta só treinar 200 vezes os movimentos e golpes. É preciso exercitar a escuta, o jogo, a resposta a algo imprevisível.
Depois dançamos, inventando regras como: ficar na ponta dos pés; dançar pisando nos quadradinhos de e.v.a., recriar os gestos um do outro. Foi um momento lindo, pois percebi o garoto se jogando silenciosamente, dançando de um jeito muito livre, desfazendo-se do escudo da vergonha e do julgamento, se entregando tranquilão à experiência.
Aquela manhã me fez pensar muito. Sobre como a vida vai engessando a gente e, a gente vai perdendo aquele estado de espontaneidade, de brincadeira, de vadiagem, como se diz na capoeira. “O encantamento estaria diretamente conectado a uma atitude brincante e despretensiosa que expande possibilidades, pois faz música com as imprevisibilidades que tanto aperreiam o modo adulto de ser.” Me contou Luiz Rufino, que ainda me citou Pedrinho da Praia, erê de Turiaçu “ser pequeno faz o grande, mas o grande não faz o pequeno. Ser feliz é melhor que ser rei!”
A vida adulta nos convoca a muitas regras, padrões e, as figuras que fogem ao esperado são consideradas no mínimo “figuras”. Acredito que a arte seja uma das rotas de escape. Um espaço de reinvenção da existência. A criação é uma arena de autenticidade, mesmo que o que a gente queira dizer, esteja na boca de uma personagem, no traço de um desenho, na melodia de uma canção, num passo ensaiado de uma dança de salão.
Acredito na construção de um mundo franco, honesto, espontâneo. Infelizmente somos educados a receber informações, copiar comportamentos, obedecer às regras. Não somos conduzidos a revelar o que acreditamos, a expressar livremente o nosso ponto de vista. É mais do que sabido que somos moldados a modos de vestir, falar, sentir, amar.
Me lembrei da Regina, uma conterrânea querida, que trabalhava numa loja de produtos esotéricos e indianos. Ela estava sempre muito bonita, com roupas coloridas e extravagantes e um cabelo azul. Mal sabia eu que, anos depois, eu pintaria o cabelo de azul, para ser Dora, uma mulher que queria fugir do comando central, uma mulher que queria ser livre. Obrigada Regina, por ser fora da curva e me ensinar sobre identidade. Como bem disse o poeta Paulo Leminski: “Isso de ser exatamente o que se é ainda vai nos levar além.”
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Maravilhoso texto. Exatamente isso: matamos a criança interior em prol de uma existência sem sentido. A ausência da criança gera doenças físicas e emocionais e necessitaremos de um esforço gigantesco para resgatar a nossa essência. Sorte de quem consegue. Gratidão!!! Bjs no seu coração!!
Olá Pedro querido.
Disse tudo. è preciso um resgate urgente! E cultivar nos pequenos essa chama da espontaneidade, sempre!
Um forte abraço, meu caro!
Luísa
Me identifico muito na sua escrita.
Tive várias formas, não de bolo mas mesmo de arestas.
Quanto mais velha fico mais percebo a necessidade de me desinformar. Voar. Somente voar.