Guilherme Scarpellini
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A cidade não está cabendo mais dentro de casa. Suas artérias vão se entupindo de carros e os seus braços se alongando para acolher os transeuntes mascarados. Verdade seja dita, Belo Horizonte está saindo de fininho da casa, como uma criança teimosa engabelando o castigo.
Não é hora. O pico da doença nos impõe disciplina, e só um louco defenderia o contrário. Mas como diria o presidente, “e daí”? No domingo passado nós também enlouquecemos — mas com responsabilidade.
Eu e a Dani, minha namorada, rompemos as fronteiras do supermercado e nos arriscamos além da avenida do Contorno. Decidimos matar a saudade da minha irmã, Alessandra, e do seu marido, Ricardo, que estão isolados do outro lado da cidade. Fomos até eles distribuir abraços açucarados.
Calma lá! Eram dois abraços em forma de bombocados. A Dani teve a brilhante ideia de preparar esses quitutes deliciosos, e atravessamos a cidade de carro — armados até os dentes: álcool gel, máscaras e cloroquina (mentira, pegadinha do bolsomalandro!).
Ao chegar ao prédio deles, deixamos as forminhas cheias de afeto na portaria e demos no pé, como moleques travessos tocam a campainha e saem em disparada.
Travessuras de verdade foi o que vimos na volta pra casa. Pessoas que parecem ter aprendido a usar a máscara com o presidente. Até no supermercado, vimos gente que carrega o apetrecho dependurado numa orelha só, enquanto vai falando ao telefone e compartilhando patógenos com o coleguinha ao lado.
Outras preferem levar o acessório em volta do pescoço, como babadores de bebês-adultos. Verdade seja dita, as máscaras tornaram-se aquela folha de alface que colocamos no prato só para esfregarmos na cara do outro: oh!, aqui tem um verdinho.
Vimos também pelo caminho alguns botecos transvestidos de serviços essenciais. Como servem comida, precisaram recolher as mesas e cadeiras da calçada, mas seguem atendendo aos pedidos de entrega.
É a senha para um grupinho de vacilões se aglomerar na calçada. Verdade seja dita, a espera pelo pedido virou evento social, com direito a “long neck” e espetinho de corona. Vimos a cena na avenida Bandeirantes, e deu até vontade de mostrar para o pessoal do @vacilocovid19bh — perfil no Instagram que divulga denúncias de furadores de quarentena.
Soube ainda que no domingo teve buzinaço na frente do prédio do prefeito Alexandre Kalil. Era meia dúzia de gente protestando contra o fechamento do comércio determinado por ele na capital.
No dia seguinte, o prefeito respondeu com a habitual finesse: “quem tem medo de buzina é cachorro distraído”. E teve gente que não gostou. Pior seria se a verdade fosse dita no jargão popular: cachorro que buzina não morde.
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