Guilherme Scarpellini
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As manhãs de sábado agora tocam as músicas dos anjos. Nada de cânticos litúrgicos, harpas ou sinos, não é isso. São os passarinhos que vão voando e cantando ao pé da nossa janela, como se acordássemos nas nuvens.
Eles começam a aquecer o seus pulmõezinhos antes do alvorecer. As andorinhas, essas tesourinhas que cortam o tecido celeste, vêm se intrometer no meio de um sonho qualquer. E com os seus cantos despertam-me dos encantos de Morfeu.
É quando dá a hora de tomar o café com jornal que esses tenores e sopranos de bico e pena abrem de vez as cortinas para o dia. Um passarinho me contou: o espetáculo vai começar.
Entoam-se então óperas de bem-te-vis, sopros de sabiás e solos de canarinhos. Findo o primeiro ato, passa-se aos coros de rolinhas e, depois, aos murmúrios de pombas gordas e preguiçosas. Por fim, restam só as arengas das maritacas, que vão tagarelando até de tardezinha.
A sinfonia dos bichos conta ainda com os silvos baixinhos dos micos. Desde o início da quarentena, esses molequinhos ariscos e travessos parecem ter voltado a pular nos galhos daqui.
E ao que desconfio ser obra de Dudu de Ávila, é possível ouvir até um canto do galo vindo de algum lugar distante, numa esquina perdida, na divisa com o horizonte.
Que não é belo e termina logo ali, na parede do prédio da frente. Mas lá embaixo há beleza. A rua Santa Rita Durão, onde mora o meu amor – e onde os passarinhos cantam – é um arvoredo só.
As copas das árvores vão se abraçando e se entrelaçando até formar um labirinto frondoso, onde não há raio luz que se atreva penetrar. Daqui de cima, quase não se vê a rua lá embaixo. É só uma enxurrada de tons verdes claros e escuros, que nasce na altura da Getúlio Vargas e vem desaguar na Praça da Liberdade.
Parece um grande rio verde de águas revoltas, cujos peixinhos são toda sorte de passarinhos. Eles vêm bater aqui na janela, com seus peitos cheios de cantos. Queria uma semana inteira só de sábados assim, com passarinhos cantando na nossa janela.