O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (Reprodução/Agência Brasil)
Guilherme Scarpellini
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Victor Hugo acabou O corcunda de Notre-Dame junto com o seu pote de tinta. E talvez não haja outra passagem em que tenha usado pena, papiro e tinteiro com tanta profusão criativa quanto o fez ao descrever a feiura do dito cujo, o seu personagem mais popular, Quasímodo.

Deu-se algo assim a pobre criatura, abre aspas: era um nariz tetraédrico, uma boca em ferradura, um olhinho esquerdo tapado por uma sobrancelha ruiva desgrenhada, enquanto o olho direito desaparecia sob uma enorme verruga.

Por fim, chamou o leitor para a briga, que só ele, Victor Hugo, sabia fazer: “Concebam, se puderem, esse conjunto”.

Eu não só posso conceber tal alegoria de horrores, como proponho fazer o pior. Imaginemos então como romancista francês descreveria algumas das figuras que compõem este governo tão tetraédrico quanto o nariz de Quasímodo.

Era um cabelinho amarelado, cuidadosamente lambido; uma boca murcha desbocada e uma língua solta descontrolada, enquanto as sobrancelhas louras formavam-se duas setas diagonais, tal qual a pior caricatura do Tinhoso: eis o abominável inquilino do sanatório da Alvorada.

Clart Kent, titular do Meio Ambiente, ficaria assim. Atrás daqueles oclinhos de aro de tartaruga escondia um par de olhos verdes. Mas que ironia! Reduzia a cinzas todo o verde que via. Nem a samambaia da casa da avó dele resistia. Que dirá a Amazônia, um grande cinzeiro.

Se Victor Hugo visse o pupilo da escola de Chicago assim o conceberia. Era uma cabecinha muito redonda e pequenina, em clara referência ao dígito do PIB brasileiro após a coronacrise. Um cabelo branco tão esgrouvinhado que não fosse o governo negacionista a que pertence, eu diria tratar-se do cientista maluco em pessoa.

Bastou o Batman brasileiro sair da batquarentena para que Victor Hugo anotasse: era uma cara fechada e de poucos amigos, uma testa franzida, como a de um bicho feroz. A não ser pelos cabelos negros e encaracolados, que o aproximavam mais de um cordeirinho do que do lobo.

Já a nossa única esperança eu não entregaria a outro escritor senão a um dos nossos.

Machado de Assis precisou de um só mergulho no tinteiro para rabiscar o doutor Bacamarte, em O Alienista: era um homem da ciência cercado dos doidos de Itaguaí.

Pois está aí a melhor definição do ministro da Saúde, Mandetta: um tipo técnico, cauteloso e (até!) estadista, era a própria razão entre os loucos.

Anthony Hopkins interpretou Quasímodo no filme “O Corcunda de Notre-Dame”, de 1982. (Reprodução/Facebook)
Guilherme Scarpellini

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