Taís Civitarese
A gente já estava com o coronavírus.
Só não sabíamos.
Já portávamos a coroa imaginária que nos fazia crer sermos os donos do mundo.
Que nos fazia inconsequentes. Que nos levava a subestimar a natureza e a desacreditar de seu poder e de sua soberania.
Esse vírus nos contaminou faz tempo. E desde então, seguíamos a vida como reis. Reis do tempo, reis da nossa saúde, reis das nossas emoções, reis do futuro.
Éramos reis nas pequenas ações cotidianas e também nas grandes.
Ao agir sem pensar direito, ao consumir em desenfreio, ao descartar o lixo todo misturado. Ao não combater a desigualdade social e a mudança climática. Ao tolerar os absurdos que se descortinavam em nossa rotina a cada dia.
Ao não lutar por justiça. Ao nos omitirmos diante das necessidades do próximo, dos mais frágeis, dos oprimidos. Ao fugir do descompasso aberrante que se escancarava aos nossos olhos no direcionamento do planeta.
Até que explodiu a bomba que nos deixou perplexos, envoltos em fumaça. E ela abrangeu o mundo inteiro.
Todos se silenciaram. Tudo entrou em repouso. As pessoas entraram. Nutridos da incerteza, respirando o ar turvo do medo. O recolhimento foi recomendado pelas autoridades mundiais.
O que fazer agora? Os filmes da TV, veremos todos. Riremos de um milhão de memes que, por fim, perderão a graça. Os livros que temos em casa serão todos lidos.
E restará vasculhar o infinito dentro de nós mesmos. Aquele que disfarçamos tanto para não ser visto. Que tamponamos com coisas, compromissos, açúcar e plástico.
Na falta de tudo, só ele estará ali. Ele se mostrará como é, com suas feiúras e tortuosidades. O enxergaremos melhor e, a partir daí, o curaremos. Porque não nos sobrará mais nada.
A coroa cairá. E o mundo renascerá diferente. Mais humilde. Mais mundano. E menos ilusório.
A explosão nos transformou e transformará para sempre. Seguiremos mais próximos uns dos outros. Mais próximos também de nós mesmos. E conscientes da necessidade de não mais abandonarmos nossa casa.