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Fim do livro eletrônico

EyeEm/GettyImages
Guilherme Scarpellini
scarpellini.gui@gmail.com

Lá em casa só mesmo as traças e baratas e toda sorte de monstrengos que habitam as gavetas escuras desfrutam da biblioteca. Explico. Guardo uma biblioteca na gaveta do armário — um desses leitores eletrônicos, o Kindle, que armazena meio milhão de livros num objeto do tamanho de um livreto de bolso.

Estão todos os clássicos lá dentro, a um touch de distância — Vidas Secas, Os Sertões, Grande Sertão e, mesmo, a saga Harry Potter inteira — por que não? E ao que depender de mim, não sairão de lá antes de caírem ao domínio público por três vezes e apodrecerem no quinto dos gaveteiros.

Ora essa! Livro para mim é livro de papel. Lê-los num dispositivo eletrônico seria o mesmo que comer sushi usando garfo e faca: os fins contrariam os próprios meios; e comprometem-se os sentidos, a experiência, enfim, o sabor da leitura.

Ninguém me convencerá do contrário. Nem me venha com essa de que carregar o peso das mil, quinhentas e dez páginas de “Os Miseráveis” (Martin Claret) ou dos três volumes de Guerra e Paz (Companhia das Letras) é nada prático.

Pois fique sabendo que só não é mesmo nada prático, como também é desconfortável, desengonçado, penoso, doloroso, mas que saber? está tudo bem. Passamos muito bem, obrigado, nós, que preferimos ler livros a ler computadores.

E não estamos sozinhos. Prova disso é que as páginas de pixels nunca chegaram perto de fazerem as vezes dos bons e velhos papel e capa dura no mercado editorial. As vendas de e-books despencam a cada ano.

Nem precisaria citar os números da derrocada. Pois há tempos, o mais ácido dos mineiros mais bem-humorado das Alterosas, o produtor e autor de livros e jornais e revistas de papel, enfim, o Ziraldo, já profetizava o futuro sem futuro dos livros eletrônicos.

Ao centro de um desses Roda Viva, da TV Cultura, perdido no tempo — mas possível de se encontrar no Youtube, mais precisamente ao final da coluna —, o pai de O Menino Maluquinho resistia a uma chuva de petardos, a favor dos livros eletrônicos, provocada pelo publicitário Antônio Rosa Neto.

— Mas você vê impedimento nesta portabilidade de um livro digital?

— Olha, eu gosto de cheiro de livro… Eu gosto…

— Mas você coloca um cheirinho nele…

— Eu gosto de Malva dentro do livro, violeta dentro do livro… Marca de lágrima… E no livro você tem que grifar, anotar no pé de página, essas coisas…

— Não, mas ele permite. Eu preciso te mostrar este livro. Ele é digital e você faz anotação digital, e você grava, aperta um botãozinho, grava aquela página…

Da roda de entrevistadores, o parceiro do Ziraldo de O Pasquim, o cartunista Jaguar, interferiu na pendenga, levantando a bola para o amigo:

— E esse livro eletrônico, a gente pode levar para o banheiro?

— Pode sim! Ele é portátil, pequeno, muito prático e fácil. E você pode levar para o banheiro…

Ao que o Ziraldo, sem a menor piedade, cortou:

— É, mas não pode limpar com ele…

Todos caíram na risada. Era o início do fim do livro eletrônico.

Guilherme Scarpellini

View Comments

  • Pois eu amo livros, tenho muitos, inclusive bem antigos, que são da primeira metade do século passado e mesmo assim amo meu Kindle e não o dispenso por nada! Acho que o importante mesmo não é se um é melhor que o outro, cada um consegue os benefícios que quer em cada experiência! Para mim o mais importante é o conteúdo e que a leitura, seja através do papel ou de qualquer tipo de tela, seja mais e mais difundida chegando a mais pessoas e se popularizando mais, inclusive entre aqueles das novas gerações. Um abraço e sucesso!

  • nossa, que b@st@, cada um que leia pelo meio que quiser. não é pq vc n gosta que tem que determinar o que cada um deve fazer.

  • Desde de pequena sempre gostei dos livros físicos, passava horas em bibliotecas lendo-os. Com a chegada da internet ficou ainda melhor porque eu podia pedir livros online (que eram baratos com relação as lojas físicas). Mas desde 2012 tenho preferido utilizar o Kindle por diversas razões, gosto de ler coleções e, dificilmente posso achar os livros físicos das coleções que leio em um mesmo lugar, sendo necessário passar dias e até meses procurando os livros que eu quero; além disso, moro na região norte do Brasil e para um livro chegar aqui é em torno de 30 dias úteis, fora o frete que, hoje, chega a ser o dobro do valor do livro.

  • Tenho um Kindle e adoro ele. Ele até reavivou meu hábito de leitura que ficou adormecido por um tempo. Hoje em dia não compro mais livros em papel e chego a ler uma média de mais de 5 livros ao mês. Espero que haja um novo investimento neste mercado.

  • Desde que ganhei um Kindle de presente, passei a ler mais como nunca tinha feito antes, consegui retomae esse ótimo hábito que a vida adulta vinha me tirando aos poucos sem eu nem perceber... pode ser que para você essa tecnologia não seja interessante, mais concerteza é bastante útil, prática e econômica para outros!

    • Precisa ler mais ... conseguiu emendar dois erros: "mais concerteza"
      ... chegou a doer!

      (caso se interesse, o certo seria "mas, com certeza é bastante útil".)

  • Manda uma carta para que eu possa ler seu texto! :)
    Brincadeira não leio um livro físico de forma séria a anos, apenas leio arquivos digitais, livro físico apenas os cartonados para meu filho.
    Sério o Kindle me trouxe o hábito de ler novamente, quando não o uso leio pelo celular, ano passado li sem pressa 15 livros, alguns mangás e HQs, o que para mim fora bastante , acostumado ler 4 a 5 livros no ano fora um salto e tanto.
    Outra coisa interessante é a quantidade de conteúdo, antigamente ficava preso aos clássicos e besta sellers do momento das prateleiras, nas livrarias do interior do Paraná ficava mais engessado ainda, o que não em impediu de ler senhor dos anéis, o guia do mochileiro das galáxias, os livros do André Vianco, Dalton Trevisan, entre outros, mas pelo Kindle encontro livros de 5 reais de autores que não conhecia, e por esse valor posso me aventurar, e ter algumas boas surpresas.
    Se puder me indicar algo de ficção científica ficaria grato, ser for aquele hard sci fi melhor ainda.

  • Sua análise é tão superficial. O livro como item de consumo é muito mais atrativo que um livro digital. Você nunca leu livros digitais, se apega ao passado e por isso não enxerga o futuro. O problema está no preço praticado pelas editoras. Você pode não concordar, mas volte neste comentário daqui a alguns anos.

  • Seja saudosista mas tente enxergar, e respeitar, o novo.
    Se fosse pelo motivo apresentado, ainda estaríamos escrevendo/lendo em paredes de pedra.

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