Foto: Pixabay – Cérebro
Taís Civitarese

Uma vez, aos 13 anos, numa festa de família, minha tia me perguntou se eu já tinha namorado.

Eu, que nessa idade ainda brincava de Barbie e mal tinha coragem de conversar com um menino, fiquei desconcertada.

Senti-me errada e falha diante da concepção familiar do que era ser adolescente. “Será que já deveria ter?”, pensei.

Essa pergunta me assombrou pelos anos que se seguiram. Quando via uma amiga mais “pra frente” que já namorava, pensava: “Titia ficaria orgulhosa, ela sim é uma adolescente normal e bem sucedida.”

E me achava errada, falha e anormal por ser tímida e gostar de escrever, ler, estudar e arrumar minhas bonecas.

Em 2020, 25 anos depois da famigerada pergunta, vivemos uma época em transformação.

Testemunhamos uma revolução social em nosso país que as diferenças interpessoais começam a ter mais reconhecimento e o modelo patriarcal está, no mínimo, em questionamento.

Ouso dizer que ensaia um milimétrico declínio. Hoje, meninas jovens não servem só para namorar e arrumar um pretenso futuro casamento, reproduzirem-se e comportando-se  como sinhás de outrora em fotos com moldura de arabesco.

Meninas estudam, mulheres trabalham, lideram, empreendem, vivem suas vidas de forma independente e muitas optam por serem solteiras, não terem filhos e viverem (ou não) múltiplos modelos de relacionamento amoroso.

Penso em minha tia que nunca trabalhou e que viveu para ser bela, prendada e exibir um bom marido.

Sua pergunta veio a partir dessa perspectiva (o que não diminui minha raiva dela, mas explica a situação). 

E foi aí que concluí, não sem confessa arrogância, que talvez Deus tenha cometido um erro ao nos fazer com dois ouvidos.

Apenas um seria o bastante para escutar tantas inutilidades que nos impactam a vida negativamente.

Matutei muito sobre o assunto, e ao refletir um pouco mais, entendi que é claro que Deus não erraria.

Como bom designer e articulista que é, ele apenas fez um caminho mais estético para a asneira entrar e sair pelo outro lado colocando o cérebro como filtro.

Deste, não devemos nos abster nunca! Já que não hesitam em falar, que pensemos sempre se vale a pena ouvir. 

O que não servir, encorajar, agregar ou ensinar, que passe direto através do túnel.

Tais Civitarese

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