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Quem matou nossos sonhos e esperanças?

Eduardo de Ávila

Nos últimos dias, notadamente da semana passada, várias pessoas me perguntando “quem matou Odete?” Confesso que não coloquei o sobrenome, pois ouvia, mas sei lá como se escreve. Essa transcrição fonética, assim que soube do que se tratava, não me despertou qualquer curiosidade. Seguramente tem cerca de quatro décadas que desencantei com a televisão e seu uso em benefício de interesses que não são aqueles dos meus sonhos e desejos. Pra ser preciso, por ocasião da campanha das “Diretas Já”, foi o meu desencanto e – consequente – divórcio com a telinha de todas as emissoras. Notadamente, claro, a campeã da audiência e da promiscuidade. Vejo os jogos do time do meu coração, que atende pelo nome de guerra “Galo”, eventualmente uma ou outra programação.

Me recordo de tempos vividos, quando essa telenovela parava o Brasil, cheguei a ver algumas com o mesmo interesse que era imposto ao pacato cidadão. “O sheik de Agadir” é meu mais antigo registro de memória. Criança ainda, não sacava nada, mas ficava colado na televisão que era a grande novidade de consumo da minha casa. Depois, bem mais à frente, “O Bem Amado”, do Odorico Paraguaçu – interpretado por Paulo Gracindo -, que por si só já justificava ficar na frente da tela. Tempos depois, já próximo dessa separação irrevogável foi a vez de “Roque Santeiro”, excelente trama aguçada pela censura que adiou um tempo sua exibição. Ah! Desculpe, nos meus primeiros tempos de casamento e com gravidez em curso, acompanhei “Pantanal”, numa versão espetacular da TV Manchete. Mas, de outros assuntos – especialmente – noticiário já estava com desquite convertido depois em divórcio consolidado.

Com os tempos, como não vivo numa bolha, tomava conhecimento de uma série de agressões na programação como reality shows – daquele tal de BBB e A Fazenda – onde em busca de dinheiro, premiação e visibilidade um grupo selecionado se dispõe a ficar confinado (sem rádio e sem notícia da terra civilizada, contribuindo para a degradação da sociedade) e vigiados 24 horas por dia em determinado prazo de tempo. Vi alguns poucos registros nos tempos iniciais dessa programação nonsense imposto aos brasileiros. Concomitante, igual como quem matou Odete, tomava conhecimento de temas cada vez mais degradantes das telenovelas. Não bastasse essa imposição de costumes e consumismo, conduziu para informações mentirosas a respeito do nosso dia a dia. Saudade que eu sinto do Brizola e do Itamar. Não davam a menor importância aos donos do poder midiático que insistiam em desestabilizar suas ações e mandatos.

E essa imposição, degradante que alimentou esse ódio recente, não tem limites. Seja no campo político, econômico, esportivo e de toda e qualquer ordem. Quantos campeonatos brasileiros de futebol, para não estender muito e ficar num tema que conheço bastante, os interesses comerciais prevaleceram sobre a disputa no gramado? Só o meu time foi e ainda é vítima dessa porcalhada desde os anos 70. Não vou entrar nas tramas que presenciei, indo direto ao último final de semana. Via de regra os jogos eram 16 ou 17 horas, depois para atender transmissões criaram horários pornográficos que afastam os torcedores das arquibancadas. Como o flamídia e porcos interessam na fatura comercial da transmissão, marcaram apenas esse jogo para o horário nobre de domingo. Os demais, todos, que se danem. E a partida foi bem conturbada pelo que li, daí fui pesquisar, o favorecido time carioca – coincidentemente – contou com o apito de um árbitro polêmico. O mesmo que prejudicou ao Galo, numa Copa do Brasil, em dois lances decisivos a favor do rubro negro mais odiado do Brasil. Coincidência!

De volta ao assunto do título. A frase “quem matou fulana(?)” dominou as rodas de muitas conversas. Como sou muito apaixonado pelo meu time de futebol, chegavam pessoas perguntado “quem matou o Galo?”. Eu respondia que era a falta de gols dos atacantes, até entender que era relacionada a uma novela que estava na reta final. Dai eu respondia com outra pergunta e resposta prontas. “Quem matou seu time?” e dizia incontinenti “a soberba que acompanha essa torcida ao longo dos tempos”. Daí no final de semana, de tanto receber mensagens e ler nas redes sociais, percebi a decepção do tele noveleiro com o desfecho da trama remake – segundo os entendidos telespectadores – de uma das melhores novelas do passado na pior de todos os tempos. Como nem vi a primeira, fico daqui a curtir, bem feito por perder tanto tempo e até sono se entregando a esse tipo de manipulação.

Sou da telona, tenho o hábito de ir ao cinema no mínimo uma vez por semana (já fui mais e era exagerado), sobretudo nesse novo momento do cinema nacional. Produções maravilhosas que mostram a nossa realidade, sem modismos consumistas, trazendo a reflexão sobre nossa existência. Tanto que, pela primeira vez, uma produção brasileira foi premiada com Oscar. Além do filme “Ainda estou aqui”, outros como o documentário “Apocalipse nos Trópicos” e tantos filmes brasileiros ao longo dos tempos são muito mais interessantes e educativos que novelinhas e noticiários contaminados por interesses inconfessáveis. Vejamos. Cidade de Deus, Auto da Compadecida, Central do Brasil, Tropa de Elite, Bacurau, Marighella, Minha Mãe é uma Peça, Carandiru e tantos outros. E com direito a cafezinho e pipoca, aquela do lado de fora e no meio fio, não artificial imposta com refrigerante na hora da compra de ingresso. Afinal, em menos de duas horas de filme, sem decepção saímos sabendo se foi o patrão o assassino ou jogaram a culpa no mordomo. Vida que segue!

Blogueiro

View Comments

  • Bom Dia Eduardo de Ávila! Mais um texto agradável de ser lido! Neste século de emergências e mídias é importante mesmo observarmos para quem estamos emprestando nossos olhos e ouvidos. Abraços Fraternos! Patrícia Lechtman.

  • Eduardo, bom dia. Essa crônica foi um desabafo do início ao fim! São tempos difíceis mesmo. Mas... iremos atravessar e chegar a um lugar interessante como o belo por do sol com o qual nos presenteou.
    Abraço amigo.

  • E os telespectadores são "presenteados" com enredos sem sentido, personagens desinteressantes e diálogos pobres....aff

  • Camarada Eduardo de Ávila, parabéns pela crônica! Concordamos em muitos aspectos sobre a banalidade das novelas e os interesses comerciais ou até ocultos da telinha. Forte abraço!

  • Bom dia e obrigado nobre blogueiro por nos presentear com essa bela reflexão dos tempos modernos. Somos bombardeados 24 horas por dia com a cultura de massa. A gente é engolido por aquilo que não temos nenhum mísero interesse. Mas, infelizmente ou felizmente vivemos em sociedade né. Li um texto do colunista do Estado de Minas Renato de Faria e achei interessante compartilhar com vocês. Abraços e saudações. https://www.em.com.br/colunistas/filosofia-explicadinha/2025/10/7275169-manifesto-por-uma-escrita-inutil-a-dignidade-de-estar-de-saco-cheio.html

  • Muito bom comentário, como sempre. A inovação muitas vezes causa decepção. Como você, também já me decepcionei por roubarem a não armada do galo. O dinheiro fala mais alto, mas, nesse caso, aquele juiz do domingo e flamenguista. Parabéns amigo.

  • Ah, Eduardo! A TV, em geral, desceu a níveis de tanta porcaria e nojo, onde nem os abutres topam se alimentar. Feliz do Zé que mora no mato, se alimenta da pureza e ainda bebe café.

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