Eduardo de Ávila

Domingo pela manhã, deixando a vida me levar, ocupei por rever fotos antigas e recentes – impressas e guardadas como também arquivadas na parafernália eletrônica -, permitindo a uma deliciosa e nostálgica viagem no tempo. Seria assustador se fosse temente aos desígnios do Criador e resistente a celebração da vida, cuja passagem corpórea – ao que penso – sempre será a oportunidade de evolução. Começo, meio e fim – cada etapa – deve e merece ser celebrada ao seu tempo.

Digo isso, pois ao passar por uma quantidade imensurável de imagens com amigas/os, constatei que a quantidade dessas pessoas que já vivem no plano superior é muito acima do que podia imaginar. Familiares, amigos desde a infância, colegas de escola – desde os primeiros anos até quase dez anos de faculdade (não demorei, fiz dois cursos) -, de trabalho e dos bares e cafeterias da vida. Com cada desses uma ou muitas lembranças românticas de momentos que o tempo não apaga. Desligam e religam essa conexão.

Incrível como fomos felizes, nossa geração e as que nos antecederam, algumas poucas ainda que vieram depois. As fotos que uso, minhas ambas, assustam quem não conheceu os telefones fixos e públicos. Aqui onde redijo, num computador, tem ao lado a lembrança da velha máquina de datilografia usada pelo meu saudoso pai. Dele, um visionário produtor rural, ainda as lembranças da fazenda e do seu trabalho freelancer como perito avaliador do Banco do Brasil em Araxá. Da mamãe, na sua dura labuta, um cargo público e à frente de um forno de padaria assando biscoitos para sua clientela.

Daí a cabeça voa e se perde no tempo e no espaço. Que saudade do telefone público e do interurbano – demorado e caro – via telefonista. Agora vivemos a fase que conversamos por vídeo com as pessoas e com custo zero. Papai previa isso e eu tinha vergonha quando comentava na frente dos meus amigos. Digitamos bem nos computadores, pois fizemos datilografia, passando e superando jovens que nos acham velhos nesse dom e agilidade. As novelas, que não vejo tem décadas, eram vistas no Rio e São Paulo, antes de Belo Horizonte e o interior de Minas. As fitas tinham de ser encaminhadas às afiliadas. Hoje tudo é imediato e instantâneo. Os jogos de futebol, os poucos que tínhamos acesso, eram assistidos em vídeo teipe. Atualmente tudo ao vivo, até jogo de várzea.

Filmes? Tínhamos de esperar chegar em nossas cidades aquilo que o eixo RJ/SP já comentava. Hoje é tudo simultâneo e podemos ver em casa mesmo. Mas, ainda prefiro o glamour de uma sala de cinema. Vi, na Copa de 2014, o jogo dos 7 a 1 numa sala de cinema. Tudo muito doido, pois em 1970, numa tv preta e branca comemorei o tri campeonato mundial. Não resisto a tanta evolução, até sou grato no caso da medicina – sobrevivente que sou de dois tumores, que seriam fatais -, mas não troco nada do que vivi naqueles tempos. Pelada na rua, bola de gude, jogo de botão, pique esconde e tanta coisa mais interessante que jogos eletrônicos.

Saudade mesmo é daqueles que nos foram preciosos durante a vida, destacando – claro – papai e mamãe, Tim e Balida (irmãos) e dezenas de centenas de outros parentes e amigos queridos que passei por suas imagens nas fotos de um domingo quente e cinzento na capital dos mineiros. Lembrando de cada dessas pessoas e correndo os olhos pela janela, relembro dos tempos que tínhamos quatro estações bem definidas. Verão com praia e inverno de cobertor e blusdifri. A primavera florida e outono na transição do quente ao frio, com ventos e queda da umidade do ar. Nos tempos recentes tudo é diferente, até as estações do ano se confundem. Frutas de época hoje são produzidas o ano todo, sem a espera e o sabor de dezembro para apanhar e chupar manga no quintal. Quintal? Que isso, coisa mais antiga. Assim como as fichas de telefone, frango e porco abatidos em casa e tantas lembranças mais. Vivi junto de meus contemporâneos os últimos tempos de felicidade espontânea e sem IA para entretenimento. O que valia era a criatividade. Enquanto isso a Terra aquece. Esquenta e queima os miolos dos poderosos e gananciosos. Sigamos! Até quando?

*fotos: arquivo pessoal

11 comentários sobre “Lembranças, saudades e confronto

  1. Saudade é saudável. Sentiu saudades, recordou algo divino. Sentiu algo divino, aproximou-se de Deus! Maktub.!
    Abraços, Patrícia Lechtman.

  2. Oi Eduardo..nos que somos da “velha guarda ” esse ano faço
    70 e vc tá perto.. vivemos isso..bolinha de gude..”bente altas”…carrinho de rolimã e por aí vai.. hj com IA e outras baboseiras somos “engolidos” no tempo…sds dessa época bem vivida somos privilegiados… fotos são as lembranças desse tempo que não volta mais..enfim esse seu texto diz tudo…grande abraço…
    Sds alvinegras

  3. Ah, o Curso de Datilografia… primeiro era “aaa sss ddd fff ggg”, depois era “asdfg çlkjh asdfg çlkjh”. E quando acionávamos “o retrocesso” para digitar por cima de uma letra errada o “cascudo” era imediato, assim como a penalização em 15 segundos no tempo final. A minha glória foi atingir 180 toques por minuto numa máquina “Remington-12”, mas o ápice foi usar “a máquina elétrica”, na qual um corretivo “apagava” as letras que se desejava corrigir e substituir. E lá se foram 50 anos… putz, como o tempo passou tão depressa….? Vou ali rever as minas fotografias! Abraços!

  4. Texto delicioso como sempre, pois fala também da minha vivência, mas discordo de duas afirmações : 1) chamadas de video a custo zero? Como assim? Pagamos fortunas pelos planos de assinatura de celulares. 2) A terra esquenta e queima os miolos da gente, não os dos poderosos, pois eles pagam seu ar condicionado, seus yatches e aviões e já planejam ocupar Marte ou sei lá mais onde… rsrs

  5. Bom dia, Eduardo! Gratidão por proporcionar-me um ” rápido clip de vida “, das estações bem definidas. Esperava-se mangas no quintal em dezembro, japonas contra o frio cortante de maio/junho, ventos pra soltar papagaios em agosto ( ainda não eram conhecidos como pipa ) ; e aguardar a chegada das chuvas intermitentes de fim ano que vinham bagunçar nossas tão esperadas férias de fim de ano. Some-se a isto os Fatos & Fotos da vida! Abração!

  6. Pois é caro Amigo temporão, a gente era feliz e sabia. O ruim de repassar fotos antigas, principalmente aqlas de monóculo, é constatar q ñ dá p entrar dentro delas. Qtª lembrança boa contém aqle pedacinho de papel…
    Dá até saudades da professorinha…
    Abraço!

  7. Belo texto que me fez refletir sobre o CONFORTO x confronto.
    O mundo atual não deixa o título desta crônica seguir a energia natural saudável e faz muda lo para: “Lembranças, saudades e confronto” .
    As ações destes seres que habitam nosso planeta não estão permitindo o CONFORTO psico e físico .
    Sigamos lutando para um mundo de menos confronto e mais CONFORTO.

  8. Cara, que belo texto! Quantas lembranças! Também vivi tudo isso aí, até nadar no ribeirão, fazer os buracos na terra com o calcanhar pra jogar bola de gude, jogar finca, rodar pião… Era bão dimais, né não?

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