Parte II
Rosangela Maluf
Era tão bom conversar com ele.
João tinha um jeito diferente e, quando me chamava de Dona Heluisa, eu não conseguia conter o riso. A gente conversava sobre tudo e eu aprendia muito com ele. Nunca tocava no nome da mulher nem dos filhos. Também nunca perguntei, nem me interessava saber. Uma única vez, ele me apresentou Romeo, filho mais velho que cuidava dos seus negócios. Nunca mais o vi, nem na fazenda, nem na cidade. Uma única vez perguntou-me o nome das minhas filhas: Alice e Elisa, eu disse. “Bonito! Bonitos nomes,” ele falou.
Quando toda a papelada enfim ficou pronta e finalmente tudo se acertara, pensei em voltar para a capital. Achei o João calado naquele dia, sempre parecendo que iria abrir a boca e dizer algo. Seria muita ingenuidade minha imaginar que pudesse ser um assunto mais sério referente a nós dois; afinal, nada se passara que não fosse apenas cordial, comercial e normal. Mas sabe que lá no fundo eu bem que queria ouvir uma declaração de amor?
Depois que conheci o João e nos aproximamos para resolver a compra das terras, eu voltara a sentir cheiros. Primeiro, do café torrado na casa de Fany, depois o cheiro do pequi no mercado de Milagres e pensei comigo, se novamente voltei a sentir cheiro, estou voltando à vida outra vez. Será que estou apaixonada por este italianão? Desde que o falecido se fora, meu olfato se foi junto e fiquei uma mulher sem cheiro de nada.
Uma tarde fria de julho, já com toda a papelada pronta e assinada e o dinheiro depositado em minha conta, achei que o fim de um negócio como aquele merecia uma celebração. Comprei uma garrafa de vinho, levei umas coisinhas fatiadas, uns pães e fiz uma surpresa para o João, sem avisar. O sol começava a se esconder, banhando tudo de um alaranjado tão lindo. João ficou muito feliz. Não sabia o que fazer para me agradecer e tentava a todo custo me agradar. Parecia um adolescente, assim como eu, com o coração saindo pela boca.
Foram poucas palavras, muitos carinhos. Beijos entre silêncios e suspiros. Ainda dávamos conta do recado e como foi bom! Me senti viva de novo, quase não trocamos palavras, mas o olhar de João dizia tudo. Não dormi na fazenda, voltei dirigindo, feliz e cantando. Quando cheguei em casa, todos já dormiam e eu não queria contar para ninguém. Depois de tantos anos, eu tinha um segredo só meu. Só meu. E de agora em diante, nada de Seu João, só João!
Prática como sempre, resolvi na manhã seguinte voltar para Beagá. Mandei recado para ele, que não se preocupasse. Estava tudo bem e logo eu voltaria para passar os últimos dias das férias de julho. Minha filha havia ligado e precisava de mim. Detalhes da formatura.
Durante esses poucos dias fora de Milagres, recebi várias cartas de João. Nada de computadores, e-mails, telefonemas – cartas, com cheiro de papel, envelope cheirando a cola, os selos. Ficava imaginando ele na cozinha, escrevendo na mesa grande, pensando no que me dizer. Indo ao correio postar todas aquelas doces mensagens.
Ah, João me parecia tão sincero, mas e o medo que eu sentia? Era muito maior que sua sinceridade. Acredite! Junto com as cartas me chegavam fotos dele ainda criança, com os pais, em Carmona, na Itália. Achava tudo tão engraçado, nem parecia que toda aquela história se passava comigo.
O certo é que não voltei para o final das férias, embevecida com as cartas, as fotos, o cheiro do papel que agora eu voltara a sentir. E respondia a todas elas. Tirava do vasinho uma violeta, e com durex pregava a florzinha no papel. Também enviei uma foto, mas me senti tão ridícula. Imagina se as meninas soubessem destas coisas. Eu morreria de vergonha, por certo!
Casamento eu não queria, nem João poderia – afinal, ele tinha mulher e filhos. Amante, eu não aceitava. Foi um custo me deitar com ele sem ter nenhum compromisso formal. O que eu queria então? Queria que ele viesse a Belo Horizonte, que se hospedasse em um hotel bem simples e eu me encontraria com ele todos os dias, na hora em que ele quisesse. Mas João achava que só isto era pouco. Resolvemos que uma semana viajando poderia ser bom para nós.
Fomos para uma praia tranquila, sem crianças gritando, sem sol forte demais. Água morninha e cada final de tarde mais lindo que o outro. Eu cuidei de tudo e ele cuidou das mentiras que falaria para a família. Com as meninas foi bem mais fácil. Tinha uma grande amiga morando em Guarapari e para me encontrar com ela eu viajaria no próximo sábado. Por poucos dias.
Foram dias e noites fantásticas dos quais me lembrarei com profunda emoção para o resto de minha vida.
Cada vez nos gostando mais, começava a ficar difícil encontrar uma solução para nós dois. Não poderíamos simplesmente chegar para as pessoas e contar a verdade, o que se passava entre nós. Também não poderíamos assumir nada. João não era um homem livre. Livre era eu, que também não pretendia me prender. Queria ficar assim, achando tudo tão moderno, tão bom. Comecei a gostar da minha imagem no espelho. Passei a me olhar com mais gosto, mais amor. Minha autoestima, finalmente, aumentava dia a dia.
Quando voltamos dos dias passados em Jacaraípe, achei que seria bom ter uma conversa franca com João.
– Olha, João, não acho que vale a pena, sabe. Sou franca. Não quero lhe causar tristeza depois. Não sou a companhia ideal que você gostaria que eu fosse. Veja bem, estou só há seis anos e nesses anos todos, o meu coração foi se fechando aos poucos até se fechar por completo. Trancou por dentro. Nem que eu gostasse assim tanto do ex-marido, você entende João, mas achei uma ingratidão grande por demais e fui ficando com o pensamento só naquilo, só na ida dele, nas meninas e eu. Sozinha, com duas filhas. Foi fácil não. E daí, fiquei assim, uma mulher seca, sem vontade, sem alegria, sem saudade.
Continua
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