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A esperança de óculos

Daniela Mata Machado

Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal, pau-a-pique e sapê
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros e nada mais…”

Elis Regina tem me feito companhia durante esta quarentena interminável que já roubou a vida de 500 mil brasileiros e a esperança de outros tantos milhões. E hoje eu evoco a Pimentinha para falar de amizade. E de amor. Estou aqui pensando neste desejo tão genuíno de uma casa no campo “onde eu possa plantar meus amigos, meus discos e livros e nada mais”. Amigos são o bem mais precioso da minha vida. Os discos já troquei pelo Spotify e, embora ainda me agrade muito o cheiro dos livros velhos, me rendo fácil e deliciosamente ao Kindle. De modo que minha casa no campo pode ter espaço para plantar apenas os meus amigos mesmo.

Tenho a sorte de andar pela vida acompanhada por algumas pessoas tão especiais que podemos passar meses, às vezes anos, sem trocar palavra e, quando nos encontramos, estamos novamente tão à vontade como se tivéssemos passado a última década morando juntos. E nada na vida me faz tão bem quanto essas amizades em que um respeita o tempo do outro, o jeito do outro, o silêncio do outro… e entende que o amor está sempre ali, ainda que jamais seja declarado.

E como isso nos afaga a alma como um bálsamo em tempos de distanciamento, máscaras, assepsia feita com álcool gel e uma tela de celular intermediando os contatos! Como a mera ciência de que os amigos existem, e de que seu amor segue intocável, nos traz a certeza de que a vida merece seguir para que uma quarta-feira qualquer, às três da tarde, após o cancelamento repentino de um atendimento, a gente resolva tomar um café na padaria da esquina e a mágica do reencontro aconteça, como se nunca tivesse havido uma quarentena, um hiato ou um desencontro.

Não sei se um dia haverá uma casa no campo “onde eu possa ficar do tamanho da paz”, mas não tenho dúvida de que, quando tudo desaba e a fé no futuro fica seriamente comprometida, eu tenho “somente a certeza dos amigos do peito e nada mais”. E isso é o quanto basta. Os amigos do peito sempre bastam. Não importa quantos hiatos haja entre as conversas. Não importa quanta dor se carregue sozinho, nem por quanto tempo. Não importam nem mesmo os silêncios que cada um tenha sustentado nos dias, meses ou anos em que não se consegue dizer. Sempre haverá um reencontro em que tudo será retomado daquele mesmo ponto onde parou. E a gente, enfim, vai saber que nunca parou.

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