Daniela Mata Machado
“Ontem um menino que brincava me falou
Que hoje é semente do amanhã”
Depois do fim do mundo, a gente sai ali fora para ver os escombros. Depois de dois anos, quase todo mundo já anda por aí sem máscaras durante a maior parte do tempo (eu ainda não, mas talvez tenha desenvolvido alguma espécie de hipocondria, ainda não sei) e pode-se dizer que a vida praticamente voltou ao normal. Seja lá o que isso que quer dizer. Mas só quem viveu a guerra sabe que o pós-guerra jamais será igual ao que vivemos antes.
Naqueles primeiros dias da peste, nós havíamos ganhado um céu mais azul, pássaros cantando, apartamentos cheirando a pães caseiros e uma vaga esperança de que o medo da morte nos tornaria mais companheiros, mais humanos e mais compassivos. Agora a gente recolhe os cacos, contabiliza as centenas de milhares de vidas perdidas pelo vírus, encara uma economia de terra arrasada e descobre que, ao longo desses dois longuíssimos anos, nos tornamos mais tristes, mais ansiosos, mais deprimidos e muito mais violentos.
Nas ruas, as pessoas se irritam de um modo espantoso à menor provocação e reagem violentamente. O racismo ficou mais violento. A homofobia tornou-se ainda mais bruta. E o machismo ainda mais sangrento. Até nas escolas, as crianças – completamente atrapalhadas após tanto tempo de dor e confusão – pouco conseguem aprender do que o professor tenta ensinar e muito repetem nos pátios a violência que sentem multiplicar nos outros espaços que também frequentam.
Perdoem, queridos leitores, mas vejo um cenário tão desolador que não consigo descrevê-lo em cores menos impactantes. O pós-peste – como o pós-guerra – nos mostra que a dor não é muito eficaz em nos mobilizar para os grandes propósitos de paz e união. Mesmo feridos, sofridos e desolados, seguimos nos dividindo e criando cisões cada vez mais brutais.
“Para não ter medo, que este tempo vai passar,
Não se desespere e nem pare de sonhar”
Eu agora me pego na cena da minha filha caçula cantando essa canção de Gonzaguinha, numa apresentação escolar pré-pandemia. E digo a vocês que está tudo bem ruim. Bem ruim mesmo. Mas aquela garotada no pátio da escola, mesmo confusa e reproduzindo os embates, a tristeza e mesmo a violência que muitas vezes é tudo o que lhes chega, é a minha esperança nos dias vindouros. A garotada sempre consegue fazer brotar uma Fênix das cinzas.
“Nós podemos tudo. Nós podemos mais.
Vamos lá fazer o que será.”
Eles vão. A Rosinha, a Dora, o Bernardo, o Felipe, o Rafael, a Luiza, o Tomás, a Duda, o Pedro, a Sara, a Alice, a Valentina, o Enzo, a Regina, a Raquel, a Aninha, o Chico, a Clarinha, o Antônio… Essa meninada toda vai fazer brotar um novo mundo nesta terra arrasada que a gente agora mira. Eles podem tudo. Eles podem mais. E a gente também bem que pode ajudar, não é?