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Sozinho na sala

Peter Rossi

Depois da morte do meu pai, poucas vezes voltei à casa de minha juventude. O cheiro se perdera. O viço, o orvalho dos olhares, já não mais existia.

Um impulso qualquer me fez pegar o carro e dirigir até aquela cidade do interior, em plena noite de um dia normal de semana. Minha mãe se levantou da cama assustada ao soar da campainha, e da varanda mesmo gritou um sonoro – quem é?

De imediato informo que sou eu, que nada demais tinha acontecido, apenas uma vontade de visita-la. Não era verdade, eu mesmo não sabia porque fui parar ali. Fato é que cheguei, toquei a campainha e entrei pela porta aberta por minha mãe.

Me pediu que esperasse um pouco. Iríamos conversar em breve, mas a novela estava num momento crucial. Célere, correu pra cama, sem sequer esperar qualquer resposta minha.

Sentei na sala de jantar. Fechei os olhos e procurei organizar os pensamentos. Afinal, o que estava fazendo ali? Percebi que a mesa, naquela hora, me servia apenas de apoio. Não sonhava com um peru assado e um bom vinho. Castiçais não iluminavam qualquer mesa posta com comida de fino gosto. Eu estava só.

Não notava esta falta, que agora enchia o meu prato. Não esperava um simples boa noite daquela fina porcelana, ou mesmo um bocejo daquele copo azul de cristal.

Eu estava com os olhos enterrados no prato imaginário e comia vorazmente uma grande porção de ilusão ao vinagrete. À minha volta estavam outras cinco cadeiras de palhinha, mais ninguém, nada mais.

Eu simplesmente queria estar ali e reviver momentos que nunca aconteceram. Foi como uma catarse da minha saudade tanta.

A novela terminou e, dessa vez a passos lentos, minha mãe veio até a sala. Percebeu meus olhos marejados. Abraçados, choramos juntos. A mesa não mais estava cheia. Ficamos ali por longos minutos, absolutamente calados. Nada acontecia à nossa volta.

Me dei conta de que estava tarde e sequer tinha avisado em casa. Dei um beijo na testa da minha mãe e saí. Desci os degraus da varanda, passei pelo portão e logo já estava à frente do volante do meu carro.

A viagem de volta, apesar da curta distância, demorou. Eram imensas as curvas e uma chuva fina, que, nessa hora, me obrigou a diminuir a marcha. Em baixa velocidade meus pensamentos descolavam da cabeça num ritmo estonteante.

Pensava, olhos postos na estrada, em como ter a mesa cheia era bom. Mesmo com as discussões, os mal-entendidos, as caras emburradas, o mal humor, tudo valia a pena se não estivesse vazia a mesa. Vestida de festa então, com uma toalha branquinha… que coisa mais linda. Guardanapos bem dobrados, engomados até. Comida boa, feita com carinho, uma partilha intensa desfrutada por vários braços que sem se dar conta, se abraçavam ao cruzar dos talheres e dos olhares.

A mesa, no entanto, estava vazia. Voltei a prestar atenção na estrada. Como tudo tem um fim acabei chegando na minha casa. Desliguei o carro e ainda sentado lá dentro busquei entender o que me motivara a sentar naquela mesa vazia. Foram muitas as dúvidas, não esclarecidas. Fechei a porta e caminhei até o elevador do prédio. Apertei o código do meu andar pensando em nunca mais voltar ali. A mesa não mais me veria e eu não queria sentir mais o frio que a sua ausência me causava. De fato, eu nunca mais voltei. Tenho a imagem nítida na minha memória, mas aquela mesa jamais eu vi!

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