Tais Civitarese
Minha irmã e eu fomos criadas para estudar. Estudar foi tudo o que nossos pais nos incentivaram a fazer a vida toda. Não éramos do esporte, apesar de o praticarmos (pessimamente) por obrigação. Não éramos da dança, apesar de minha irmã levar mais jeito do que eu. Não éramos também das artes, exceto pelas redações solicitadas na escola ou por desenhos feitos sem pretensão. Nosso negócio eram os estudos. E não porque nossos pais nos exigissem boas notas. Elogiavam nossas conquistas, mas não nos cobravam nada. Apenas demonstravam que aquele era o nosso emprego, nossa única função.
Mamãe tem um histórico escolar lendário com nota total em todas as matérias – exceto religião.
Papai, vindo do interior, foi o único de sua turma de “ginásio” que passou no vestibular de engenharia da UFMG. Saindo aos nossos, trilhávamos o mesmo caminho, minha irmã melhor do que eu.
Quando meu primeiro filho nasceu, ocorreu algo estranho. Parecia que, por ser mulher e ter gerado um bebê, eu deveria saber o que fazer com ele. Senti uma solidão profunda e um senso de inadequação muito grandes. Faltou instinto, faltou o “fator leoa” e entrou em cena um misto de TOC e confusão mental. Ser pediatra agravava essa situação. Como assim alguém que estuda os bebês não saberá cuidar de um? Só que pediatria não é maternidade. As regras e condutas escritas nos livros muitas vezes não se aplicam à prática. Sendo bem sincera, muitas delas só servem para nos confundir e gerar angústia.
Anos mais tarde, cheguei a duas conclusões maravilhosas. O fato de não ter sido educada para ser uma mulher foi uma bênção. Fui criada para ser uma pessoa. Ter uma profissão, exercer um ofício, questionar e pensar. No entanto, por uma questão uterina, nós mulheres podemos gerar filhos. E assim como não é exigido dos pais que saibam de primeira a função do Hipoglós, o mesmo não deveria ser cobrado também de nós. Principalmente por nós mesmas.
Que os instintos materno e paterno sejam melhor nivelados, uma vez que, enquanto mulheres, abraçamos todas as demais funções que “instintivamente” não nos cabem. Fazemos isso porque somos seres humanos, e temos necessidade de exercitar o cérebro e alçar nossos desejos tanto quanto qualquer homem. Que haja mais parceria na parentalidade e menos exigência social sobre as mães.
Que possamos lembrar à sociedade o conceito mais profundo de ser uma pessoa. Se possível, sem predicado algum. E que diante dos desafios que se coloquem, nossa humanidade prevaleça sobre questões arcaicamente atribuídas a mulheres em outros tempos.