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Casos de vovô

Tais Civitarese

Como já contei aqui, adotei um avô. Tomei o avô de meu marido como meu. Ouvir suas histórias nesses dias pandêmicos tem sido um momento de respiro e grande alegria para mim. 

Vovô conta que em sua infância, nos anos 40, a valentia era o valor mais nobre entre os meninos. Era bom quem sabia brigar. Vovô não gostava de briga, mas seu pai insistia para que ele não fugisse ao combate. Assim, quando o pai estava por perto e as crianças partiam para a luta, vovô subornava seus oponentes com “uma média e um pão com manteiga” para que fingissem esmorecer com seus socos e ajudassem a proteger sua honra.

Vovô se lembra dos tempos da segunda guerra e conta que todas as representações de vilões naquela época envolviam japoneses ou alemães. Mais tarde, ele conheceu esses povos e viu que os vilões e mocinhos estão na verdade em todos nós, um pouco misturados, e em todo lugar. 

Ele cresceu no Rio de Janeiro, onde andava sozinho desde os dez anos de idade e ia para a escola à pé. Porém, de vez em quando, matava aula para pescar na Lagoa Rodrigo de Freitas. E levava seu cachorro junto. Um dia, em plena tarde, de dentro do bonde sua mãe avistou o cachorro e o reconheceu, um frondoso pastor alemão. Ela desceu imediatamente e encontrou vovô todo tranquilo, quando deveria estar estudando. Segundo os métodos educacionais da época, ele conta que sempre apanhava no banho. Nesse dia, foi ali na rua mesmo.

Uma história um pouco mais “barra-pesada” é a de quando um amigo lhe propôs darem o troco em uma tia que era muito brava. Vovô não hesitou e atirou-lhe um chuchu na testa. A família inteira foi dar queixa em sua casa. E o banho aquele dia foi o mais dolorido de todos.

Vovô vai fazer 89 anos. Ouço essas histórias e vejo falar um menino, um moleque de calças curtas e olhar arteiro. Viajo para aquele antigo Rio de Janeiro e me imagino numa janela, vendo uma turma de crianças passar, cheios de esperança, longe da guerra, longe do futuro, arquitetando os caminhos que nos trouxeram até aqui.

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