Rubem Braga passou três crônicas inteiras atrás de sua borboleta amarela — “Borboleta”, “Borboleta II” e “Borboleta III”, todas elas publicadas no Correio da Manhã, em setembro de 1952 — para, ao cabo da jornada, nada acontecer. Era um pedacinho de delicadeza amarela no céu, que começou roçando os cabelos do Cronista Maior para então sobrevoar as vitrinas e o tráfego de carros, adentrar as escadarias da Biblioteca Nacional, espreitar os namorados na pracinha e, depois… nada acontecer. Como foi perdê-la de vista assim? Três crônicas inteiras que não levaram a lugar nenhum. Mas um lugar nenhum belo, agradável e aconchegante, como uma crônica de Rubem Braga.
Enquanto isso, Antônio Maria, o cronista de Copacabana, encostou-se a um banco de praia ao alvorecer. Viu o homem de roupão que chegava para fazer ginástica. Depois, o banhista gordo, de pernas brancas, que ia cedo à praia a fim de poupar os outros de sua imagem recôndita. Havia ainda o bêbado com a lapela suja de sangue. Será por onde cambaleou a noite inteira? Seriam divagações para outra crônica — ou até mesmo uma novela policialesca, quem sabe? Mas, por ora, bastava a Maria entregar-se às banalidades do “Amanhecer em Copacabana”, e ficou ali vendo tudo acontecer.
Será que ele viu um homem elegante, de queixo largo, e uma mulher alta, de uma brancura europeia, zanzando pelas ruas de Copacabana? O homem era Paulo Mendes Campos, que, de repente, na repartição, pegou a mão de uma gringa e declamou: vou te levar para comer um “Bolinho de feijão”. Mas não havia uma espelunca no Rio que ainda servisse a iguaria. Pois tomaram, ele e a moça, um avião no Santos Dumont, e partiram para aonde ainda se serviam bolinhos de feijão: Belo Horizonte, mais precisamente, na rua da Bahia. Ignácio’s era o nome do bar — será que ainda existe?
Penso que não. Deve haver hoje uma farmácia Araújo no lugar, vez que os botequins, livrarias e cafés sucumbem como a “Morte de uma baleia”, isto é, lentamente, dolorosamente e sob os olhos curiosos de quem vê. Mas não sob os olhos puxadinhos de Clarice Lispector: “não, não fui vê-la: detesto a morte”, eis um trecho de sua crônica em que relembra todas as vezes que morreu em vida. Logo ela, que completa o centenário de seu nascimento a 10 de dezembro próximo e, um dia antes, os antagônicos 43 anos de sua morte.
O que não morre é a sua literatura. Bem como parte das crônicas de outros grandes escritores, tais como Fernando Sabino, Rachel de Queiroz e Otto Lara Resende, que encontra vida perene no recanto mais sagrado da internet, o Portal da Crônica Brasileira.
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