Guilherme Scarpellini
scarpellini.gui@gmail.com

Como um gafanhoto ataca a lavoura, eu percorria a seção de frutas, legumes e hortaliças, enchendo o carrinho de supermercado com a minha dieta da quarentena. Até que atravessei a algazarra de duas mulheres mascaradas no caminho, e parei pra observar aquele inusitado encontro de máscaras.

Tamanho o entusiasmo delas, as tomei por velhas conhecidas, talvez vizinhas de frente, parentas distantes ou mesmo duas pessoas que se detestam, mas que devem cumprimentar-se sempre que se encontram entre as gôndolas de alfaces e bananas.

“Agora reconhecemos as pessoas só pelos olhinhos, não é?”, dizia uma delas, mantendo a distância recomendável de dois metros, que antes seria encurtada por dois beijinhos de mentira e um abraço de faz de conta.

Fiquei pensando, ela tem razão.

Nossos olhinhos são hoje os únicos traços de identidade neste mundo sem graça de gente mascarada. Nunca fomos tão iguais uns aos outros. Tornamo-nos obra da herança genética de nossas mães com um pai universal — aquele garanhão que se esconde nos armários da cozinha, o senhor Melitta.

Resultado: nossas caras agora são 50% nossas mães e 50% coadores de café.

Eu, por exemplo, de máscara, nunca estive tão parecido com aqueles doutores bonitões de Grey’s Anatomy. Ora, a diferença está nos olhinhos — e geralmente de quem os vê.

Em Belo Horizonte, o uso de máscaras é obrigatório (Leandro Couri/EM/D.A Press).

Preocupa é que perdemos a capacidade de comunicar. Sem máscaras, podemos exprimir até 21 emoções diferentes apenas com as expressões faciais. Agora, atrás dos coadores de café, nem sorrir é possível, ao menos que seja um sorriso por meio do emoji feliz no WhatsApp — e ainda assim não resistimos à tentação de usar o emoji de máscara.

A falta de um sorriso largo no rosto faz mesmo toda a diferença. Essa é a moral da história triste do menino tímido, que compartilho com o leitor.

Apaixonado pela filha do padeiro, o menino tímido nunca teve coragem de declarar o seu amor. Quando a mãe dele pedia que trouxesse o pão, era um Deus nos acuda. Ele quase morria de vergonha só de pensar em ver a bela moça atrás do balcão.

Até que veio essa história de pandemia, e o menino tímido encorajou-se atrás de uma máscara — pena que ele não veria mais o rostinho lindo da moça, que também estaria escondido atrás de uma máscara.

Mas nada que desanimasse o coração do menino apaixonado. Um dia na padaria, ele encheu o cestinho de pães e aproveitou para declarar-se à sua amada. Quando foi pagar no balcão, tirou uma nota de dinheiro amassada do bolso e ficou esperando a moça bonita descobrir a surpresa do outro lado.

Não deu outra. Quando ela desenrolou aquela maçaroca, deu com o garrancho do menino galanteador estampado na nota: “eu te amo”, rabiscado à caneta, dentro de um coração muito mal desenhado.

A moça não fez mais do que uma estátua. Ficou ali parada, olhando, sem dizer nada. Então o menino tímido abaixou a cabeça e foi-se embora derrotado, sem nunca saber o tamanho do sorriso que a moça bonita sorria atrás da máscara.

Guilherme Scarpellini

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