No Salão da Lena

No Salão da Lena

Rosangela Maluf

Poucas coisas me divertiam mais do que o salão Big Star; a começar pelo nome que, vamos e venhamos, não inspira muita coisa. Grande estrela, só se for ela, a Lena.

Uma das pessoas mais espirituosas, engraçadas e de bem com a vida que já conheci. E ainda por cima, ótima profissional; cuidava dos cabelos como ninguém, fazia de tudo: anelava para quem os tivesse lisos demais, esticava para a grande maioria que os tinha encaracolados e sonhava com o cabelão liso de atriz.

O salão funcionava num casarão antigo, mal conservado, mas de boa aparência. O andar superior era sublocado para as massagistas, depiladoras, designers de sobrancelhas e outras cositas más.

No térreo, em um espaço enorme e bem dividido, ficavam as três cabeleireiras, as três manicures; duas pias onde se lavavam os cabelos, um setor para tinturas e um cantinho para o café oferecido às clientes – com pão de queijo assado no forninho, lá dentro na cozinha, mas não pense que era o dia inteiro: uma fornada de mini pãezinhos por volta das dez da manhã e outra por volta das quatro da tarde.

A cliente podia escolher seu horário, perto ou não do lanchinho com pão de queijo. Mas um café bem gostoso, ah este estava sempre ali, em cima do paninho florido, sobre a mesinha de madeira.

A clientela era toda bem antiga, assim como eu que já frequentava o salão há mais de dez anos. Desde a sua inauguração e até hoje no mesmo local, o Big Star vivia sempre cheio e a mulherada falando ao mesmo tempo tornava impossível marcar sexta-feira ou sábado. Era um horror. Todas queriam contar uma coisa e o falatório era imenso, capaz mesmo de dar enxaqueca até em cabeça de alho.

Quando conheci a Lena, eu era ainda nova no bairro e estava justamente, no mercadinho comprando frutas.

– Calor demais, né menina? Deus me livre. Você mora no bairro? Ah, é nova, bem que pensei, nunca te vi por aqui antes. Meu nome é Lena, tenho o salão ali, na rua Cervantes. Se precisar, aparece lá! Fazemos de um tudo, viu? Cê vai gostar, não esquece não, salão Big Star, da Lena, na Cervantes 446.

Agradeci e pedi o telefone, eu precisava mesmo de um salão bem pertinho. Assim marcaria um dia fixo, faria tudo no mesmo local e ganhava tempo. Dependia apenas de gostar ou não dos serviços oferecidos.

Há quase dez anos sou cliente da Lena. Já virei amiga, sou convidada pras festinhas de aniversário das meninas do salão. Todas me têm como amiga no Facebook e digo que não uso mais o what’s app senão teria, diariamente, pelo menos, dez vídeos matinais desejando-me bom dia!

Chego, às quintas feiras. Feiras quando o salão está com um movimento normal. Como sempre, lá estou eu, um pouquinho antes das 16 horas. Este é o meu horário. Não me atraso e reclamo quando elas se atrasam. Não gosto de desorganização. E não sou de fofoca; até escuto mas não participo nem dou opinião. Todas sabem que sou chata e não gosto de confusão! Primeiro vou lavar o cabelo. Lídia me atende na maior parte das vezes, mas prefiro a Moniquinha que hoje precisou levar o filho ao médico.

O primeiro shampoo. – Menina, tu nem sabe o babado que tá rolando no bairro. Conhece o Vicentinho da banca de jornal, né? Menina, não é que lá naquele espaçozinho de nada, tava rolando o maior clima entre ele e o Marcinho entregador de gás? Olha, quem passou por lá na segunda-feira de manhã, assistiu um escândalo em frente à banca. Diz que até beijo na boca foi visto e o ônibus parou pras pessoas olharem o bafafá. Pode?

O segundo shampoo. – Olha, saiu um produto novo, pra cabelo pintado, que nem o teu. Um luxo. É caro, mas se eu fosse tu, comprava. Vou depois escrever o nome. É estrangeiro e não sei falar, mas tem uns folhetos e vou te dar um. Tu viaja quando? Vai ficar muitos dias fora? Tão bom viajar, né? Não gosta de praia? Vixe, mas eu adoro. Quando ainda era casada, eu ia com Tonho todo ano pra terra dele. Cabrália, já ouviu falar? Coisa linda, viu. Vidão. Praia, cervejinha, cigarrinho, água morninha. Ô delícia.

Condicionador. – Vai hidratar? Hoje não? Então espera aí…este condicionador é novo também; vamos ver se tu gosta. Tira tudo, né? Pronto. Pode passar pra Lena que ela vai te escovar. Vai querer o cafezinho agora? Tem pãozinho de queijo também. Tá bom, eu levo lá pra ti.

Sento pra fazer minha escova, com a Lena. Matilde vem com a mesinha pra fazer minha mão. Respiro fundo. Estou sem pressa, elas, as duas, estão no horário, tudo sob controle.

Na escova– Já soube da Tita? Não? Ah, ainda bem que você está sentada. Lembra dela, né? Aquela que pinta o cabelo de preto, bem preto. Aquela que ainda usa franja, cê sabe sim! Menina, eu nem acreditei! Você estava aqui quando ela contou que ia se separar do marido. Pois é, se separou mesmo. Até aí, tudo normal. Sabe pra ficar com quem? Com a pediatra da filha, acredita? Menina, fico pensando em que mundo estamos, não é possível, é? Já vieram me perguntar o que acho. Fiquei caladinha, não acho nada. Cada um faz o que quer com a sua vida, né não?

Na escova 2.tempo – A loura? A que tem a farmácia na rua de cima? Tem vindo sempre. Toda animada. Vai fazer a plástica tão sonhada. Eu vou ser sincera, acho que a feiura não tem jeito, pode até dar uma melhoradinha mas, não tem remédio!  Falei com ela, minha filha, deixa o seu nariz onde está. Já ficou assim até agora, mexe não. Veja todas nós que passamos dos cinquenta – o nariz é uma bola, que se esparrama pros lados. Um horror. É só prestar atenção quando você vai ao shopping. Olha pra você ver: passa uma cinquentona, o nariz, se não foi ainda plastificado, é de doer! Dizem que não para de crescer. Só quando a gente morre. Igual as orelhas. Dizem que também é assim. Que coisa, né? Eu não comento nada, deixa ela gastar a pensão do marido com o que ela bem entender. Já falei com as meninas aqui, nada de ficar comentando da plástica. Ela que conte pra quem quiser. Eu é que não comento.

Final da manicure – Um cafezinho?  Cida, vê um cafezinho e água pra ela. Tem um pãozinho de queijo, vai aí? Pode ficar à vontade e terminar sua escova em  paz.

Final da escova. Menina, cê não vai acreditar, mas vai me prometer não contar pra ninguém…vou te contar a maior; lembra do Celso, aquele que vive no Zeca bebendo? Ganhou um prêmio aí na loteria. Não é Mega Sena não, é um prêmio pequeno. Pois, cê acredita que ele já me convidou pra tomar um chopp no Maricão? Eu vou mas sabe por quê? Lembra do marido da minha irmã que tem um sobrinho que está preso por causa do crack? Minina, o Celso trabalha no presídio onde o minino tá; já pensou?

Vou soltar o garoto, escreve aí – vou soltar o garoto.

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