São dez horas da manhã de um dia cinzento e nublado. Estamos no comecinho de abril. O Outono apenas começou e o friozinho da madrugada se esparrama ainda por estas montanhas.
Acordei mais cedo, fiz a cama, ajeitei os lençóis, estendi a colcha de crochê e separei os travesseiros. De um deles, retirei a fronha branca, com barra de tira bordada e passa-fita de cetim.
De dentro dela retiro, com cuidado, o meu antigo travesseiro de macela, aquelas flores pequeninas, amarelinhas, delicadas e perfumadas.
Antigo mesmo. Me acompanha faz tempo, há mais de vinte anos. Ouviu muitos lamentos, secou muito choro. A ele me abracei em momentos de tristeza.
Ou solidão. Juntos varamos noites e noites a dormir. Ou acordados, os dois. O travesseiro com as flores cheirosas, que me acalmavam e me faziam tanto bem, agora são restos apagados de uma vida inteira.
Olho para aquelas flores secas e penso na impermanência das coisas, de tudo! As pessoas, os lugares, as fotos, os fatos, as canções, os sentimentos – tudo passa, nada permanece, nada. Respiro fundo e me sinto triste…só por causa do travesseiro? Claro que não.
Vou até o latão que fica no quintal e corto a ponta da fronha fazendo sair todo o recheio. Flores amarelas, já acinzentadas pelo tempo, mas ainda cheirosas; perfume que me embalou o sono e sonhos.
Despejo no latão todas as flores desbotadas pelos anos; as lágrimas-de-nossa-senhora que eu apertava em momentos de aflição. Despejo também sacos de papel rasgado e jogo álcool. Risco o fósforo e fico olhando o fogo.
Rapidamente as chamas vão consumindo o que sobrou do travesseiro: flores secas, galhinhos e folhas igualmente mortas pelo tempo.
Sem vida. Só restos. São poucas as chamas agora. Quase tudo já se foi. O fogo consumiu tudo. O tempo consome tudo também. Fica pouca coisa. Lembranças, cheiros, músicas, um detalhe ou outro.
Recolho a garrafa de álcool. Pego a caixa de fósforos. Volto para casa, mas antes entro no quarto de hóspedes. Pego um travesseiro novo, até então guardado para visitas.
Afinal, vou precisar de outro. Subo para o meu quarto. A manhã permanece cinzenta. Ainda está frio. Recoloco a fronha. Me deito. Acho estranho, precisarei me acostumar. Recoloco a fronha. Aperto o novo travesseiro. Nenhum perfume. Aperto novamente e cheiro. Nada. Preciso mesmo me acostumar.
Deixo o travesseiro sobre a colcha de crochê.
Daniela Piroli Cabral danielapirolicabral@gmail.com Outro dia fui ao salão de beleza e pedi para o…
Eduardo de Ávila Incrível como pessoas improdutivas, via de regra radicais em suas convicções por…
Victória Farias Capítulo 9 Faltavam menos de três dias para que Isac voltasse para…
Silvia Ribeiro Fico pensando até onde as minhas palavras conseguem chegar. Não raro, elas têm…
Mário Sérgio Entre as diversas ideologias utópicas que grassam entre as pessoas atualmente, aquela de…
Rosangela Maluf Em pleno século XXI, somos continuadamente bombardeados com novidades de toda espécie! Resumindo,…
View Comments
Bonito texto! Gostei muito de “impermanência das coisas”.
Este texto exprime a prova de que tudo no universo é vivo, aparece, cresce e desaparece, pois tudo tem um tempo de existência, é apenas questão de tempo, tem seres que vivem alguns segundos outros milênios, tudo um dia se transformará, os seres humanos com sua arrogância e sem noção de sua própria existência praticam atos insanos de sua própria existência.