Guillermo del Toro repensa clássico e cria novo Frankenstein

A nova versão de Frankenstein (2025), dirigida por Guillermo del Toro, é uma obra visualmente arrebatadora e ambiciosa, que reconta o clássico de Mary Shelley com um olhar poético e trágico ainda maior que no livro, seguindo um caminho distinto das adaptações anteriores. Ainda que carregue o peso da grandiosidade estética e da esperada assinatura autoral do cineasta, o filme também sofre com algumas decisões narrativas que o afastam das questões essenciais do romance original.

Entre os maiores acertos desta produção da Netflix, estão as interpretações. Jacob Elordi (o Elvis de Priscilla, 2023), no papel da Criatura, está surpreendente. Ele desaparece sob a maquiagem, equilibrando dor, inocência e fúria com rara sensibilidade. Sua presença em cena evoca empatia e desconforto, fazendo da criatura um ser complexo, mais humano do que monstruoso. Oscar Isaac (o Cavaleiro da Lua) também se destaca como Victor Frankenstein, dando vida a um cientista tomado pela obsessão e pela culpa, dividido entre o impulso criador e o horror de sua própria obra. O elenco de apoio,  principalmente Christoph Waltz (o Blofeld de 007) e Mia Goth (de Pearl, 2022), acrescenta qualidade ao longa, ainda que haja bons atores poucos aproveitados – o caso mais gritante é o de Charles Dance (Mank, 2020). E a estranheza de Goth afasta sua Elizabeth das mocinhas usuais. É curioso, mas foge da fonte.

A parte técnica é impressionante, como se pode esperar de uma produção de del Toro. A direção de arte e o figurino recriam com esmero o universo gótico da história, mesclando laboratórios sombrios e paisagens vitorianas de maneira hipnótica. A fotografia do colaborador habitual Dan Laustsen é um espetáculo à parte: o jogo de luz e sombras e o uso das cores para marcar os momentos reforçam a melancolia. Os efeitos práticos, privilegiados em detrimento do CGI, dão ao filme maior realismo, aproximando o espectador do desconforto físico e emocional que a narrativa propõe.

Del Toro dá ao filme um tom elegíaco, quase uma ode ao sofrimento e à solidão de suas criaturas. O dilema central original permanece: quem é, afinal, o verdadeiro monstro? O criador ou a criatura? A solidão, o desejo de pertencimento e o peso da rejeição atravessam as cenas, mantendo a reflexão sobre a natureza da humanidade e seus limites morais. No entanto, as liberdades tomadas com o texto original nem sempre resultam bem. A primeira metade da obra sofre com um ritmo excessivamente lento, com longos trechos dedicados ao passado de Victor e à preparação para a criação da criatura. Essa dilatação narrativa, embora compreensível no projeto de construção de atmosfera, acaba por enfraquecer a tensão e dispersar o impacto emocional.

Algumas mudanças na história soam desnecessárias, como o fato de Victor ter um mecenas. Ou de o irmão ser adulto e o amigo ter sumido, juntando os dois em um. Outras, vão no caminho contrário que Shelley havia colocado no papel. Victor é muito pior aqui do que a escritora jamais pensou, e o personagem perde complexidade com isso. Ele se torna apenas um babaca, perdendo boa parte da dualidade do livro. Ao humanizar demais a criatura e atenuar sua dimensão monstruosa, o filme perde parte da ambiguidade moral que torna o original de Shelley tão poderoso.

Certos acréscimos, como um fator de cura e aspectos quase heroicos, aproximam a trama do gênero fantástico e afastam-na da tragédia filosófica que a inspirou. A Marvel parece ter influenciado del Toro. O foco ampliado nas motivações paternas e psicológicas de Victor, embora interessante, também dilui a força do confronto entre criador e criação. E o ponto principal se perde: Victor não se arrepende de ter brincado de Deus, mas de ter criado algo que considera burro.

A estética basicamente se sobrepõe à essência. O filme, belíssimo em cada quadro, parece por vezes mais preocupado com esse aspecto do que em provocar desconforto ou horror. Ou mesmo de ter lógica: é para acreditarmos que um experiente capitão enfiaria seu navio naquele continente de gelo? Não era mais coerente ter feito um grande bloco, que poderia ter aparecido de surpresa? A grandiloquência da direção e a busca pelo espetáculo enfraquecem o silêncio, o medo e a inquietação moral que deveriam marcar a história.A mudança de comportamento de Victor rumo ao final é bem brusca, até atropelada.

Frankenstein (2025) permanece uma experiência cinematográfica digna, como qualquer projeto de del Toro. É uma leitura sensível e sofisticada, conduzida por um diretor que entende a beleza no grotesco, como é costume em suas obras. No entanto, a sensação final é desapontadora: a de que se assiste a um espetáculo fascinante, mas que carrega em si mudanças desnecessárias, distantes dos elementos que fizeram do Frankenstein original uma obra imortal. Para ver uma obra mais satisfatória e fiel, fique com o longa homônimo de 1994, e ainda tenha a chance de ver Robert De Niro como a Criatura.

A versão de 1994, de Kenneth Branagh, segue uma das mais fiéis, com De Niro como a Criatura

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HBO mostra como foi a chegada da AIDS no Brasil

Já temos a nossa própria Angels in America (2003). Ou, se preferir, nosso Clube de Compras Dallas (Dallas Buyers Club, 2013). Trazendo elementos das duas obras, mas totalmente adaptados à nossa realidade tupiniquim, estreou Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente, nova série nacional da HBO Max que mostra o estrago que a AIDS fez quando chegou ao Brasil – e as providências tomadas por cidadãos que queriam viver, e ainda ajudaram outros.

Expandindo o cenário visto no filme Os Primeiros Soldados (2021), o foco agora é um comissário de bordo (Johnny Massaro, também de Soldados) que faz questão de se manter alheio ao problema de saúde pública que toma conta do Brasil: a epidemia de AIDS que vem atacando milhares de pessoas, inclusive próximas. Ele só acorda e enfrenta a realidade quando ela bate à sua porta. A escolha de Nando como protagonista é interessante por fugir do habitual, como médicos e políticos, e as pessoas do meio dele também ganham destaque.

Para deixar claro que não se tratava de uma doença de gays, como se acreditava e o governo federal reforçava em campanhas oficiais danosas, a série apresenta vários personagens que se descobrem soropositivos, como esposas traídas e jovens que usavam drogas compartilhando seringas. Nesse ponto, a obra é um pouco óbvia, buscando ser didática e passando da conta. A AIDS era uma possibilidade para todos e era no mínimo arriscado ignorá-la, ou minimizar o problema.

A recriação do final da década de 80 é muito bem feita, com figurinos, objetos e lugares que casam muito bem com a trilha sonora e dão a ambientação perfeita. A consultoria de uma infectologista, Dra. Márcia Rachid, traz mais acertos no retrato da doença e das pessoas que foram vitimadas. E o maior ponto positivo é mostrar que a politização e a união foram essenciais para a luta dos soropositivos, já que o governo federal (assim como em outros países) demorou muito para tomar as devidas providências.

O cerne da trama é a liberação nos Estados Unidos do AZT. Criada 1964 para combater o câncer, a droga não se mostrou muito eficaz e caiu em desuso, mas foi novamente utilizada, em 1984, e deu muito mais resultado contra o vírus HIV, diminuindo a sua multiplicação, o que retardava o avanço da doença. O AZT dava mais tempo para o corpo humano reagir à doença, apesar de trazer consigo efeitos colaterais, como anemia. Ele foi liberado para comercialização nos EUA em 1987, mas ainda era ilegal no Brasil.

Aí que entra a ação dos comissários Nando e Lea (Bruna Linzmeyer, de Baby, 2024), que viram a oportunidade de trazer o remédio clandestinamente e ajudar muita gente, mas arriscar o próprio pescoço (leia-se emprego). A série, nesse sentido, pesa um pouco para fins dramáticos, aumentando o suspense relacionado ao tráfico do AZT. As outras instituições envolvidas, na época, faziam certa vista grossa, todas viam o benefício de trazer a droga. Nada que seja problemático.

Um outro núcleo importante que logo se mistura é o da boate Paradise, lugar que reunia gays e, consequentemente, pessoas infectadas. Entre elas, havia os que a doença avançou rapidamente, outros que conseguiram tempo para lutar e cobrar o poder público. E, no meio, temos Raul (Ícaro Silva, o Jorge Ben de Mussum, 2023), o segurança da Paradise que acaba comandando a boate e liderando a luta pelo reconhecimento das vítimas pela mídia e governo.

Começando pesando nas cenas de sexo (hétero e gay), a série dá o tom que seguirá e segue as histórias de seus personagens, que acabam se entrelaçando. Alguns são melhor explicados que outros, mais rasos, mas não deixa de ser satisfatório o tratamento que todos recebem. O foco dos diretores Marcelo Gomes e Carol Minêm, principalmente, é mostrar como a falta de informação, de posicionamento oficial e de empatia levavam ao preconceito, que piorava e muito a situação de pessoas doentes que precisavam, antes de tudo, de uma mão amiga. A AIDS, aliada a doenças oportunistas, ainda mata mais de dez mil pessoas anualmente no Brasil.

Antes do Brasil, a série teve seu lançamento no Festival de Berlim

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Policial de James Woods é o primeiro James Ellroy no Cinema

Muito conhecido como o autor de Los Angeles: Cidade Proibida (L.A. Confidential), que se tornou um filme elogiado e premiado em 1997, James Ellroy (acima) teve outros romances adaptados para o Cinema. Há poucos dias, L.A. foi escolhido para uma exibição especial no museu da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (aquela do Oscar), mostrando que continua sendo a maior referência no Cinema quando se pensa no escritor. Isso, mesmo que Brian De Palma tenha dirigido A Dália Negra (The Black Dahlia) em 2006, que passou um pouco batido e realmente não tem tantas qualidades.

O que poucos sabem é que o primeiro romance do escritor, Sangue na Lua (Blood on the Moon), lançado em 1984, foi também o primeiro a ser levado às telas. Ellroy já disse publicamente que: a) Sangue na Lua é seu único livro do qual sente vergonha; b) não gostou da adaptação e não recomenda o filme. O Pipoqueiro, no entanto, vai na contramão e propõe que cada um forme sua opinião, já que o longa não é pior que outras obras policiais lançadas na década de 80. E tem James Woods num grande momento.

Com o título genérico no Brasil de Um Policial Acima da Lei, no original é apenas Cop – também nada muito inventivo. O protagonista, Lloyd Hopkins, é o sargento da policial de Los Angeles que detém o recorde de maior número de prisões, tem um talento enorme para o trabalho. No entanto, não é um sujeito conhecido por seguir regras, quebrando-as frequentemente para conseguir o que quer.  Por isso, nem todos são fãs dele. O filme começa quando Hopkins recebe uma dica e chega a uma cena de crime onde há uma mulher mutilada, e ele inicia imediatamente sua investigação sem comunicar ninguém.

Em casa, as coisas não vão muito bem. Ele tem o estranho (mau) hábito de contar para a filha pequena detalhes dos casos escabrosos em que trabalha, o que não ajuda o já complicado relacionamento com a esposa. Ser infiel também não. Esse é o cenário montado pelo filme, que pode ser descrito como um Dirty Harry realmente sujo. Hopkins é bom no trabalho, mas não é um ser humano bom. Esses traços fogem um pouco do policial infalível da década de 80, marcada pelo tipo “brucutu” de Stallone e Schwarzenegger.

E o ator principal não fazia esse tipo. James Woods já tinha uma carreira bem estabelecida. Havia trabalhado com diretores conceituados, como Oliver Stone, de Salvador: Martírio de Um Povo (1986), papel que lhe valeu uma indicação ao Oscar. Um ator de peso trazia um certo respeito ao projeto. Mesmo estando acostumado a viver advogados, assassinos e outras figuras duronas, um policial violento e sem freios era uma novidade, e Woods ainda estreou na função de produtor, papel que repetiu recentemente em Oppenheimer (2023).

Ainda que não seja memorável, ou particularmente inventivo, Um Policial Acima da Lei é um bom policial, bem amarrado. Um pouco corrido, mas divertido, ajudando a estabelecer alguns dos clichês que hoje esperamos ver em filmes do gênero. E dá uma amostra da ótima prosa de James Ellroy, cuja carreira merece ser mais conhecida. Como Sangue na Lua é apenas a primeira parte de uma trilogia, Hopkins poderia aparecer novamente, ser melhor aproveitado. Para Tom Hanks ter dito, em entrevista ao jornal The New York Times, que gostaria de viver o personagem, é porque ele não é pouca coisa.

Curioso sobre as adaptações de James Ellroy? São as seguintes:

1988 – Um Policial Acima da Lei (Cop)

1997 – Los Angeles: Cidade Proibida (L.A. Confidential)

1998 – Brown’s Requiem

2006 – A Dália Negra (The Black Dahlia)

E roteiros originais:

2002 – Dark Blue

2008 – Os Reis da Rua (Street Kings)

2009 – Um Tira Acima da Lei (Rampart) – é, nada criativa essa distribuidora!

L.A. Confidential segue sendo a adaptação mais famosa da obra de James Ellroy

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Conheça as 15 melhores adaptações de Stephen King (3/3)

Finalizando a lista de melhores adaptações da obra de Stephen King segundo os usuários do IMDb, eis as obras com as maiores notas:

05 – Louca Obsessão (Misery, 1990, dirigido por Rob Reiner)

Um famoso escritor sofre um acidente de carro e é resgatado por uma enfermeira psicótica que alega ser sua maior fã. King faz uma metáfora ganhar corpo ao transformar seu vício em cocaína na figura da assustadora enfermeira Anne Wilkes, cria uma história bem tensa e Kathy Bates levou o Oscar como Melhor Atriz.

04 – Conta Comigo (Stand By Me, 1986, dirigido por Rob Reiner)

Um escritor relembra uma aventura com os amigos décadas antes, quando partiram em busca do corpo de um colega desaparecido. Drama sensível dirigido pelo ótimo Reiner, que faz o elenco jovem brilhar – liderados pelo então promissor River Phoenix.

03 – O Iluminado (The Shining, 1980, dirigido por Stanley Kubrick)

Um sujeito aceita ser o zelador de um hotel isolado, onde o inverno castiga, e leva sua mulher e filho, e o hotel começa a exercer uma influência maligna nele. Não é uma adaptação fiel, como King sempre ressalta, mas é um filmaço e um grande momento da filmografia de Jack Nicholson, mais louco que de costume.

02 – À Espera de Um Milagre (The Green Mile, 1999, dirigido por Frank Darabont)

As vidas dos guardas do corredor da morte de uma prisão americana são afetadas pela chegada de um condenado com um dom. O primeiro livro seriado de King conta uma história longa, que permite desenvolver o suficiente seus personagens para que nos importemos com eles, e ajuda ter Tom Hanks no papel principal.

01 – Um Sonho de Liberdade (The Shawshank Redemption, 1994, dirigido por Frank Darabont)

Um prisioneiro recém chegado faz amizade com um veterano e eles passam décadas sobrevivendo à prisão de Shawshank. Especialista em adaptar King, Darabont recria décadas passadas num conto surpreendentemente revigorante, cheio de pontos altos e emoções.

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Conheça as 15 melhores adaptações de Stephen King (2/3)

Continuando a lista das 15 melhores adaptações da obra de Stephen King, segundo os usuários do IMDb

10 – Doutor Sono (Doctor Sleep, dirigido por Mike Flanagan)

Danny Torrance, o filho de Jack, cresce e seu talento para se comunicar com os mortos o leva a conhecer uma menina parecida, mas atrai uma atenção perigosa. Baseado na sequência tardia de O Iluminado, o longa é o segundo de Flanagan no universo de King e consegue manter a qualidade do clássico de Kubrick, cumprindo uma difícil missão.

09 – It: A Coisa (2017 , dirigido por Andy Muschietti)

Um grupo de garotos tidos como perdedores se une para combater uma criatura sobrenatural que está se alimentando das crianças da cidade. King brinca com vários medos comuns no mundo infantil, principalmente o de palhaços, e mais uma vez valoriza a amizade e a união. Muschietti bateu recordes de bilheteria em valores corrigidos, faturando mais que O Exorcista (1973) e O Sexto Sentido (1999), então campeões do gênero, e recebeu convite para o Universo Cinematográfico da DC, já tendo dirigido The Flash (2024) e se preparando para encarar o Batman.

08 – Eclipse Total (Dolores Claiborne, 1995, dirigido por Taylor Hackford)

Uma jornalista volta a sua cidade natal quando a mãe é presa, acusada de matar a patroa, e revira a história delas. Jennifer Jason Leigh faz um bom trabalho, mas quem brilha é a ótima Kathy Bates, que já havia ganhado um Oscar com um personagem de King. Sem nada de sobrenatural, Hackford apresenta um drama forte, bem amarrado, e ainda nos brinda com um excelente elenco de apoio, em especial David Strathairn (acima).

07 – Carrie, A Estranha (1976, dirigido por Brian De Palma)

Uma estudante sem amigos, cuja mãe é uma fanática religiosa, começa a perceber poderes telecinéticos se desenvolvendo. Carrie frequentemente é “homenageado” em outro filmes, séries e desenhos e se tornou uma obra essencial a qualquer um que se interesse por Cinema, terror ou Stephen King. O longa sedimentou as carreiras de De Palma e de Sissy Spacek, indicada ao Oscar como Melhor Atriz.

06 – A Vida de Chuck (The Life of Chuck, 2024, dirigido por Mike Flanagan)

Três atos nos apresentam à vida de Charles “Chuck” Krantz enquanto o universo parece acabar. Vários personagens, vividos por um ótimo elenco, constroem uma sensível história de King, mais um drama quase pé no chão para seu currículo, e terceira adaptação da obra dele dirigida por Flanagan. Um dos melhores filmes de 2024.

Se esse post já trouxe grandes filmes, espere pelo próximo! Nada abaixo das cinco estrelas!

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Conheça as 15 melhores adaptações de Stephen King (1/3)

Invariavelmente na lista de autores mais vendidos desde os anos 80, Stephen King teve seu primeiro romance, Carrie, lançado em 1974. Daí em diante, tem mantido uma média assustadora de lançamentos, com livros novos quase todos os anos, e até mais de um em alguns anos. E é também recordista de adaptações de sua obra para o Cinema e TV, com mais de 400 créditos listados no site IMDb. E há outros 20 projetos indicados como “em produção”, como a nova adaptação de O Concorrente, que já deu origem a O Sobrevivente (The Running Man, 1987), e a série It: Bem-vindos a Derry, que contará uma história anterior à de It – A Coisa (já adaptado duas vezes).

Muito lembrado como “O Mestre do Terror”, King escreveu ótimos dramas, que muitas vezes as pessoas têm dificuldade de associar a seu nome. E reverenciado como autor de romances, ele também tem centenas de contos, muitos também levados às telas (como o recente O Macaco, 2025). O escritor produzia tanto material nas décadas de 70 e 80 que criou um pseudônimo, para que o público não se cansasse de seus lançamentos – e também para provar para si mesmo que era capaz de vender livros sem seu grande nome por trás. Em 1977, ele lançou Fúria (Rage), seu primeiro romance como Richard Bachman.

Na próxima semana, chega aos cinemas A Longa Marcha – Caminhe ou Morra (The Long Walk, 2025), longa adaptado do segundo livro lançado com o nome de Bachman, em 1979. Segundo o autor, o livro começou a ser escrito em 1966, oito anos antes de Carrie ser lançado, o que o torna o primeiro dessa longa carreira. Por ocasião dessa estreia, o IMDb listou as 15 melhores adaptações da obra de Stephen King (e Richard Bachman) de acordo com as notas atribuídas pelos usuários, e abaixo você confere um rápido comentário sobre cada um (lista dividida em 3 posts).

15 – Christine, O Carro Assassino (1983, dirigido por John Carpenter)

Um estudante pouco popular compra um carro que parece se afeiçoar demais ao dono, perseguindo possíveis inimigos. Carpenter é uma referência quando se fala de Cinema de terror e seu longa é divertido e bem feito, contando uma história absurda e envolvente.

14 – 1408 (2007, dirigido por Mikael Håfström)

Um especialista em desvendar boatos sobre atividades paranormais se hospeda no quarto 1408 do Hotel Dolphin para provar que não há nada ali. Cínico e cético, o personagem de John Cusack vai entrando nos mistérios do quarto e sua noite não é nada tranquila. Facilmente o mais fraco dessa lista, poderia ter sido substituído por vários outros, como O Aprendiz, Trocas Macabras ou O Cemitério Maldito.

13 – Lembranças de Um Verão (Hearts in Atlantis, 2001, dirigido por Scott Hicks)

Um adolescente conhece um senhor que parece ter uma habilidade especial e muda a sua vida. Drama sensível, com um toque sobrenatural, como King parece gostar, e uma ótima atuação de Anthony Hopkins.

12 – O Nevoeiro (The Mist, 2007, dirigido por Frank Darabont)

Um grupo de moradores fica preso em um supermercado quando o misterioso nevoeiro no entorno parece abrigar criaturas mortais. Por mais que pareça o contrário, o filme não é sobre os monstros lá fora, mas sobre os humanos lá dentro, um grupo heterogêneo formado por gente boa e outros nem tanto. Nada como uma boa metáfora!

11 – A Hora da Zona Morta (The Dead Zone, 1983, dirigido por David Cronenberg)

Depois de um acidente e anos em coma, Johnny acorda conseguindo ver o futuro de todos cuja mão ele aperta. Longa tenso, do mestre Cronenberg, sobre algo que todo mundo já pensou em algum momento: seria possível impedir uma tragédia antes que ela acontecesse?

Stephen King volta no próximo post!

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O Último Ritual encerra os trabalhos dos Warren no Cinema

Ao contrário do que muitos pensaram há uns anos, o terceiro Invocação do Mal (The Conjuring) não concluiu as aventuras da família Warren no Cinema. O quarto filme, O Último Ritual (The Conjuring: Last Rites, 2025), chega essa semana aos cinemas prometendo, esse sim, levar a extrema unção à história de Ed e Lorraine. O problema, que já derruba as expectativas acerca do projeto, é o nome do diretor: Michael Chaves comandou o longa anterior, A Ordem do Demônio (The Devil Made Me Do It, 2021), bem inferior aos dois primeiros, além das bombas A Maldição da Chorona (The Curse of La Llorona, 2019) e A Freira 2 (The Nun 2, 2023).

Com esse currículo vergonhoso, Chaves dirige um roteiro escrito por um veterano dos dois longas anteriores (David Leslie Johnson-McGoldrick) e pelos responsáveis por A Freira 2 (Richard Naing e Ian Goldberg). Nada disso conta ponto a favor. O ponto positivo responde pela dupla Patrick Wilson e Vera Farmiga, novamente vivendo os protagonistas, sempre com seriedade e, quando possível, leveza. É pelos dois que a franquia continua atraindo público, e eles seguem ajudando famílias desconhecidas importunadas por forças demoníacas.

Dessa vez, no entanto, as coisas se tornam mais pessoais. Com uma nova atriz no papel (Mia Tomlinson, de O Reino Perdido dos Piratas), a filha Warren, Judy, começa a ter dificuldades em suprimir as habilidades que herdou da mãe. Vendo e sentindo a presença dos mortos, a jovem alterna momentos de felicidade ao lado do namorado, Tony (Ben Hardy, de Bohemian Rhapsody, 2018), e o pânico de ser perseguida por espíritos decrépitos com intenções maldosas. Tony chega na família com cautela, evitando perguntar, apesar de curioso, sobre as atividades dos futuros sogros.

Como nos filmes anteriores (e em todos os 007), a sessão começa com um caso separado e logo chega ao presente da história, 1986. A família vítima da vez é apresentada e, nesse ponto, o filme é bem sucedido. Se aprofundando nas famílias Warren e Smurl, Chaves se mostra competente ao desenvolver as relações entre eles e alterna passagens engraçadas e tenras, preparando o terreno para o esperado terror. Ele deveria ficar no drama.

E é aí que as coisas se perdem: como é frequentemente observado no gênero, é fácil derrapar na busca desmedida por sustos, com cenas inconsistentes, efeitos sonoros pavorosos e decisões burras. Para não dizer apelativas, como enfiar a boneca do demônio Annabelle no meio desse caldo. Há uma rápida referência a “o Homem Torto”, personagem lançado no segundo filme e estranhamente abandonado. Em uma casa onde moram oito pessoas, acontece muito de não ter ninguém em momentos-chave, e a luz falha quando necessário. Tudo muito propício para o roteiro, mas por outro lado enfraquecendo-o e afastando o público. E o final é longe de ser satisfatório. As coisas só pioram.

Não tão terrível quanto a renegada Chorona (que deixou de ser considerada parte do Universo Invocação do Mal) ou A Freira 2, esse Último Ritual acaba entrando no mesmo nível de mediocridade de A Ordem do Demônio. A franquia começou muito bem nas mãos de James Wan, que seguiu apenas como produtor (e uma participação especial insistente) e a entregou a alguém que não estava à altura da tarefa. Ou não acompanhou como deveria. Se continuasse com Wan à frente, seria uma série a se acompanhar indefinidamente. Se é para ser tocada por qualquer mercenário em busca de bilheteria, é melhor encerrar mesmo.

P.S.: Talvez inspirado pelos filmes de heróis, já que conta com a presença do produtor Peter Safran (da DC), o longa inexplicavelmente deixa uma informação para o final dos créditos. Nada que faça falta. Não espere um encontro dos Warren e John Constantine.

Chaves mais uma vez afunda um filme da franquia

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Novo Ritual traz Pacino como exorcista

Chega essa semana aos cinemas O Ritual (The Ritual, 2025), mais um longa de terror que pretende ser o definitivo ao retratar um exorcismo, posição mantida – e nunca nem de longe ameaçada – pelo já clássico O Exorcista (The Exorcist, 1973). O diferencial da vez é a presença do gigante Al Pacino, que foi pai pela quarta vez aos 83 anos e deve ter muitas contas para pagar. Só assim para explicar a escolha do ator por um roteiro morno, já visto (melhor ou igualmente ruim) várias vezes e que não demora a ser esquecido. Era melhor quando ele vivia o diabo.

Um suposto exorcismo real realizado em 1928 permanece sendo o mais documentado, já que as anotações de um dos padres presentes se tornaram amplamente conhecidas. O nome do rapaz foi mantido em segredo, mas todos os passos do ritual foram relatados, e nem assim o diretor e roteirista David Midell usou essas informações, mudando o que quis provavelmente para atingir mais efeito dramático. Spoiler: não conseguiu.

Assim como na dinâmica de O Exorcista, em O Ritual temos a chegada de um padre veterano para se unir a um mais novo na realização do sacramento. Ao lado de um Pacino corcunda e cansado temos o insosso Dan Stevens, que errou feio ao pedir pra sair de Downton Abbey e nunca mais fez nada relevante – a exceção talvez seja a série Legião. O roteiro tenta fazer com que nos importemos com os dois apenas citando irmãos falecidos para ambos, como se isso fosse background suficiente. Afinal, o demônio precisa de informação para mexer com a cabeça do pessoal. E é compreensível que se preocupe com a saúde da vítima, mas a insistência do personagem de Stevens em chamar um médico passa da conta.

Demais participações especiais, essas bem menores, ficam com Patrick Fabian (curiosamente o pastor do melhor e mais barato O Último Exorcismo, 2010), como o Bispo local, e Patricia Heaton (mais lembrada pela série Everybody Loves Raymond), que vive a Madre Superiora. Ela tem um diálogo interessante, que ressalta o machismo na estrutura da Igreja Católica, mas nada que salve o filme. As velhas questões relacionadas a fé também aparecem, já que todos têm seus momentos de dúvida, mas não chegam a ser relevantes. Uma relação mais profunda entre o padre de Stevens e a Irmã Rose (Ashley Greene, da “saga” Crepúsculo) é sugerida, mas nunca esclarecida.

O grande problema comum à maioria dos filmes que envolvem exorcismos é serem abordados como de terror, quando na verdade são um grande drama. Acreditando-se ou não em possessão, é inegável que temos ali uma pessoa passando por maus bocados, e muitos à sua volta tentando ajudá-la. Ao invés de focar na gravidade e na tristeza da situação, diretores pouco inspirados preferem inserir um susto com um passarinho enxerido e efeitos sonoros descabidos. Ao invés de termos um bom drama com toques sobrenaturais, temos apenas mais um filme ruim.

O elenco assiste a uma exibição-teste do filme

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James Gunn entrega seu grande Superman

Quando ouvimos aquelas primeiras notas inconfundíveis de 1978, assinadas por ninguém menos que John Williams, um arrepio já percorre a espinha. Um tema tão acertado, tão ligado ao personagem, realmente não poderia ser deixado de lado. E não tem aquele recurso de “filmes de origem”, que demoram de 40 a 50 minutos para revelarem o herói. Esse novo Superman (2025) já o mostra de cara, com um letreiro inicial situando o público no tempo. A cidade de Metrópolis já conhece seu anjo da guarda. Mesmo que muitos cidadãos ainda tenham um certo pé atrás com ele. Incitados, claro, pelo gênio do mal Lex Luthor.

Com toda cara daquelas histórias em quadrinhos clássicas e divertidas, essa nova aventura do nosso popular Super-Homem prova uma coisa: o novo chefe dos estúdios DC, James Gunn, entende a essência do personagem bem mais que outros de seus colegas diretores. Começando, obviamente, por Zack Snyder, que passou longe do alvo. Gunn conseguiu um resultado próximo do sucesso de 1978: uma aventura gostosa de assistir, com personagens simpáticos, inteligentes, com quem passamos imediatamente a nos importar. Por mais que esse universo de figuras tão conhecidas tenha tido outras encarnações, tudo indica que essa versão tem tudo para se sobrepor às demais.

Como sempre acontece em situações muito visadas, a escolha de David Corenswet (de Pearl, 2022) foi envolvida em polêmica. Henry Cavill ainda estava muito fresco na cabeça de todos e foram rápidos em apontar defeitos. A verdade é que Corenswet, ao contrário do galã Cavill, funciona muito bem tanto como Clark Kent quanto como Superman. Ele se mistura e passa batido como o jornalista tímido, mas se impõe sem esforço como o último filho de Krypton. Algo próximo, ouso dizer, do que fez o saudoso Christopher Reeve. Sem necessidade de comparações, é justo dizer que Corenswet está excelente em sua caracterização.

A nova Lois Lane, mais lembrada como a Maravilhosa Sra. Maisel, põe a mão na massa em vários sentidos. Ela escreve, entrevista e ainda participa da ação, passando a léguas do bibelô a que Snyder relegou Amy Adams. Certamente a mais linda das Lois, Rachel Brosnahan é também a mais intrépida, corajosa e bem aproveitada. Em uma tomada específica, ela lembra muito sua veterana Margot Kidder, mas em momento algum fica à sombra da colega.

E, falando em figuras memoráveis, coube a Nicholas Hoult vestir os sapatos que foram do grande Gene Hackman. Hoult, em evidência desde que estrelou Um Grande Garoto (About a Boy, 2002), é um Lex Luthor bem mais ousado e sério que os anteriores. Para não dizer psicótico. É bom apontar que o roteiro ajuda, já que Luthor é bem mais ameaçador que aquele senhor que ficava fazendo especulação imobiliária. Como roteirista, Gunn soube dar luz aos vários personagens, algo que ele fez bem também na trilogia dos Guardiões da Galáxia (alguns dos atores aparecem aqui). Até o jovem Jimmy Olsen (Skyler Gisondo, de O Dilema das Redes, 2020) ganha mais relevância, deixando de ser apenas o alívio cômico de sempre.

Outro equilíbrio que Gunn soube manter foi no tom: há bastante ação, mas sem aquela destruição maçante (de Snyder). Temos momentos emocionantes, riscos reais em que tememos pelos personagens e humor. O roteiro respeita as regras que vai construindo, se safando de mostrar gente burra fazendo burrices. Superman nunca foi tão humano, tão caloroso. É cuidadoso até demais, salvando inclusive pequenos roedores. Enquanto os pais kryptonianos (vividos por Bradley Cooper e Angela Sarafyan) têm uma participação importante, porém curta, os pais terrestres (Pruitt Taylor Vince e Neva Howell) são mais emocionantes. E, por falar em lágrimas, temos bebê e cachorro, dois campeões em iniciar choros. Até relevamos algumas influências meio óbvias, como à série original iniciada em 1978 ou a The Boys.

A exemplo do que fez o recente longa do Adão Negro (Black Adam, 2022), além do protagonista, temos outros heróis, todos muito bem caracterizados. Mais uma prova da nerdice de Gunn, que soube observar os detalhes. O corte de cabelo ridículo do Lanterna Verde Guy Gardner, por exemplo, levantou fãs contra os primeiros trailers, mas Nathan Fillion ficou perfeito. Edi Gathegi, Isabela Merced e Anthony Carrigan completam um time bem azeitado. E há diversas participações especiais que só descobrimos ao ler as letrinhas do final, como Michael Rosebaum, o Luthor de Smallville, como um soldado de armadura. E, como um repórter, temos Will Reeve, o filho de Christopher.

Numa primeira análise, mais superficial, temos um filme bem amarrado, divertido, com personagens carismáticos que marcam magistralmente a primeira superprodução do novo universo cinematográfico da DC – que já conta oficialmente com as séries do Pacificador e do Comando das Criaturas, além de aproveitar alguma coisa do pacote anterior (como o Esquadrão Suicida de Gunn). Olhando mais a fundo, encontramos um bilionário megalomaníaco que se acha acima do bem e do mal e é obcecado por um imigrante ilegal, tentando acabar com ele de todas as formas ilegais que possa pensar. Quem não vê nisso uma alegoria a Trump ou mesmo a questão da Palestina está em outro planeta. Gardner chega a afirmar que não se deve mexer com política, para logo ver o quanto está errado.

Um personagem querido como o Homem de Aço sempre atrai boatos, rumores e mentiras descabidas. Não foi nem uma e nem duas vezes que apareceram no Instagram postagens de supostos infiltrados de Hollywood que diziam que o filme seria uma bomba e enterraria o universo recém criado por Gunn. Pois esse Superman satisfaz quem aguardava uma boa produção e só levanta a expectativa pelas próximas aventuras de outros medalhões da DC, como Batman, Mulher-Maravilha, Flash e, claro, Aquaman, tão marcante na pele de Jason Momoa. Vida longa ao DCU de James Gunn!

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Seria Família Soprano a melhor série da TV?

Possivelmente, tudo o que é preciso ser dito sobre Família Soprano (The Sopranos) já foi falado. A série, que foi ao ar entre 1999 e 2007, colocou um poderoso chefe da máfia de Nova Jersey no divã e moldou o que seria a TV dos Estados Unidos a partir dali: personagens dúbios, com fragilidades, mas extremamente ruins.

Depois de Tony Soprano (James Gandolfini), a cultura pop se inundou de outros protagonistas que despertam paixões, apesar da vilania de seus personagens. Um exemplo óbvio é Walter White, de Breaking Bad, que surgiu exatamente um ano depois do fim de The Sopranos, em 2008.

Além desses personagens, que não são apenas caricaturas de bons samaritanos vivendo um “sonho americano”, Sopranos apresentou histórias mais densas, carregadas de subtramas que exigem outros personagens tão complexos quanto seus protagonistas. Esses personagens, como Carmela Soprano (Edie Falco), os filhos Meadow (Jamie-Lynn Sigler) e Anthony Jr. (Robert Iler) e Christopher Montisanti (Michael Imperioli), por exemplo, preenchem outras camadas da série que dão continuidade para histórias mais complexas, que não fossem apenas esquetes, como nos “enlatados” que deram vida ao entretenimento no norte global até então.

Se Sopranos foi essa série que tanto se elogia e a colocam justamente como uma das maiores de todos os tempos, ela também é vítima de marcas temporais. Ainda que possam ser justificados como “contexto da realidade daqueles personagens”, machismo e racismo são naturalizados e pouco debatidos na série. Os Muitos Santos de Newark (The Many Saints of Newark, 2021 – acima), filme que é um spinoff da série, tenta justificar os atos racistas dos personagens originais. Ainda assim, isso é uma marca profunda da obra que ilustra os anos 90 não só nos EUA, como no resto do ocidente, principalmente.

Há também marcas desse tempo no roteiro. Sopranos entrega pequenas tramas por episódio e por temporada que se encerram ali. Algumas dessas tramas são soltas e pouco exploradas. Um ótimo exemplo disso é a entrada e a saída de personagens que, no momento que surgem, passam a ter um peso para a narrativa que, até então, não tinham.

Não te contam, por exemplo, que Tony Soprano tem um primo que é quase seu melhor amigo, até que Tony Blundetto (Steve Buscemi) surge na série, lá pela quinta temporada. Outro exemplo, que chega a ser irritante: em determinado momento, Tony se vê com problemas com vício em jogo. O caso é tão sério que seu comportamento fica ainda mais violento com a família e seus capos. Mas o caso dura um total de um único episódio. Em nenhum outro momento da série isso vem à tona ou influencia, mesmo que indiretamente, o fluxo dos acontecimentos.

É claro que, por ser uma precursora, é natural que a série possa ser superada por outras e que, quase anacronicamente, essas falhas possam ser apontadas anos depois. Porém, não há aqui a intenção de desmerecer a importância tão discutida e celebrada em torno de Família Soprano.

É uma série fundamental para quem gosta de TV e cultura pop, no geral. Ela moldou o modus operanti do mainstream dos EUA nas décadas seguintes. Se antes os mafiosos matavam e viviam exclusivamente suas vidas criminosas, como nos filmes de Scorsese – inclusive com discussões sobre eles na série – na obra de David Chase o chefão vai para o divã. Literalmente. Lida com as notas escolares dos filhos. Tem problemas com a mãe e a esposa. Enfrenta a subserviência hierárquica de seus “amigos” e precisa resolver questões que surgem por conta de patos em sua piscina. Sem falar que Sopranos tem, talvez, um dos finais mais icônicos da cultura pop.

Por tudo o que se escreve, fala e se repete sobre Família Soprano, é difícil não reproduzir o óbvio: inegavelmente, depois dessa série, a TV dos Estados Unidos nunca mais foi a mesma. E que bom!

Quando se vive no crime, não faltam velórios

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