Noite Severina

Vinte e sete minutos me separavam do centro da cidade.  Vinte e sete preciosos minutos, que poderiam ser gastos de forma mais inteligente do que passando insistentemente as músicas no Spotify. Não para a minha surpresa e muito menos para o meu deleite, nenhuma delas me agradava. Estávamos parados naquele mesmo lugar, dividindo janela com o mesmo ônibus, há quase uma hora. Pela quarta vez esbarrei … Continuar lendo Noite Severina

Depois da meia-noite

Depois da meia-noite, o quarto escuro geralmente começava a receber a luminosidade dos postes da rua. Aos poucos, os lampejos iam se incorporando em um tom amarelado, que era lentamente percebido pelo olho direito, que colecionava, em cor marrom escura, astigmatismo e miopia. Podia enxergar, mas duvidava do que via. Uma certeza tinha, pois checara o relógio antes de se deitar: já passava da meia-noite. … Continuar lendo Depois da meia-noite

A criança teimosa e o Papai Noel

“Papai Noel não existe”. Foi o que Rafael contou ao irmão mais novo, Guga, que fez aquela cara de desconfiado e devolveu ao irmão, apontando para a enorme árvore de Natal, no centro da sala: “Então quem é que deixou esses presentes aí?”. “O papai, ué”, respondeu Rafael. “Mas não o Noel. Foi o nosso papai, magrinho, desbarbado e carrancudo, que comprou”. “Não foi, não”, … Continuar lendo A criança teimosa e o Papai Noel

Jair afogado em sangue

  Guilherme Scarpellini scarpellini.gui@gmail.com Se ela estava naqueles dias, Jair se tornava indiferente e, por vezes, até violento. Ignorava a mulher durante todo período e, quando a notava, era para desferir algum desaforo do tipo “você não serve nem pra aquilo!”. Acuada, ela precisava passar uns dias na casa da mãe, junto com as duas filhas do casal, até poder voltar a ser a “mulher” … Continuar lendo Jair afogado em sangue

Elvira e a guitarra

Guilherme Scarpellini scarpellini.gui@gmail.com O que os gatos pensam dos seres humanos? São seres limitados em sua miserável existência. Dependem de relógios para não se esquecerem dos compromissos que prefeririam esquecer. Buscam a companhia dos outros para não conviver com eles mesmos. Saem cedo e retornam ao cair da noite. E retornam menores, encurvados e dilacerados. Não bastasse isso, ainda precisam de banho. Que merda é … Continuar lendo Elvira e a guitarra

Pé dormente

Guilherme Scarpellini scarpellini.gui@gmail.com Acordou com o pé dormente. Foi pulando no pé bom até a pia e enxaguou o rosto. Mal havia escovado os dentes e pegou o celular para checar os e-mails. Ao servir o café amargo, já havia olhado outras três vezes. Os primeiros minutos se passaram. Depois, a primeira hora. Então, a segunda… Sem e-mails. Não gostava de manhãs tranquilas. Ao sair … Continuar lendo Pé dormente

Os cinco filhos de dona Branca

Guilherme Scarpellini scarpellini.gui@gmail.com Foi uma vida toda acumulando de tudo. Livros, vasos, fotografias nas prateleiras. Revistas, quadros, velharias nos armários. Móveis por todos os cantos. Coisas em todas as gavetas. Agora que conseguiu vender o mausoléu, onde é que vai enfiar isso tudo? Dona Branca vai se mudar para um apartamento. Quarenta anos atrás, os filhos se amontoavam em volta da mesa. Lilico, Melissa, Tereza, … Continuar lendo Os cinco filhos de dona Branca

Rei

Guilherme Scarpelliniscarpellini.gui@gmail.com Vovó é fã de Stephen King. Dois anos atrás, andávamos pelas livrarias do Fliaraxá — Festival Literário da cidade — quando ela me apareceu com “O cemitério” (1983) debaixo do braço. Acabava de tomar uma facada dessas de filmes de terror a vovó: R$ 70 reais. Disse a ela que não precisava ter desembolsando a fortuna, que eu emprestaria o meu velho exemplar … Continuar lendo Rei