Jair afogado em sangue

 
Reprodução/PixaBay
Guilherme Scarpellini
scarpellini.gui@gmail.com

Se ela estava naqueles dias, Jair se tornava indiferente e, por vezes, até violento. Ignorava a mulher durante todo período e, quando a notava, era para desferir algum desaforo do tipo “você não serve nem pra aquilo!”. Acuada, ela precisava passar uns dias na casa da mãe, junto com as duas filhas do casal, até poder voltar a ser a “mulher” do Jair. Longe da mulher e das filhas, Jair aproveitava a oportunidade para fazer o serviço de casa. O serviço de homem.

Há algum tempo, ele vinha adiando instalar a prateleira de bonecas idiotas no quarto da menina mais nova. Agora não tinha desculpas. Ele tinha pregos e martelo nas mãos. (E não tinha mulher naqueles dias por perto). Foi quando Jair assentou a primeira martelada na cabeça do prego que notou algo estranho. Uma umidade viscosa e escura começou a germinar do buraco na parede. Então, sem pensar duas vezes, ele retirou o prego com a forquilha do martelo, temendo ter atingido um encanamento velho. O que foi uma péssima ideia. Agora, o líquido espesso e quente escorria da parede com profusão. Quando o fluxo atingiu o chão, emporcalhando o piso de vermelho vivo, Jair não teve dúvidas. Era sangue. Ele pensou ser um castigo da Padroeira das Mulheres Menstruadas e pediu perdão pela falta de sensibilidade. Mas era tarde demais.

Jair tentou tampar o buraco do prego com o dedo, mas a pressão sanguínea de trás da parede era mais forte. Com isso, o máximo que conseguiu foi tomar um jato de sangue no olho. Com o susto que tomou, o homem levou as mãos no rosto, e o martelo foi cair pesadamente no chão. Uma pequena poça de sangue se formou onde o martelo caiu. Então, a rachadura do piso abriu espaço para emergir um verdadeiro chafariz de sangue. E

m pouco tempo, os pés de Jair ficaram completamente submersos em uma piscina rubra. Temendo o pior, ele tentou abrir a porta do quarto, mas a pressão do líquido grosso e pesado impediu o movimento da porta. Com muito custo, o homem conseguiu mover uma escrivaninha, carregada de bonecas idiotas, até o centro do quarto, onde emergia o sangue. Mas, com a força do chafariz, o móvel foi lançando contra a parede, onde uma rachadura, em forma de vulva gigante, se formou. Um caudal de sangue desaguou lá de dentro.

Quando Jair estava quase encoberto, engolindo fartas porções de sangue menstrual, ele viu algumas bonecas boiando pelo quarto. Naquele instante, Jair pediu a Deus para que jamais permitisse que um homem como ele cruzasse o caminho de suas filhas. E então afundou.

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