Depois da meia-noite

Depois da meia-noite, o quarto escuro geralmente começava a receber a luminosidade dos postes da rua. Aos poucos, os lampejos iam se incorporando em um tom amarelado, que era lentamente percebido pelo olho direito, que colecionava, em cor marrom escura, astigmatismo e miopia. Podia enxergar, mas duvidava do que via. Uma certeza tinha, pois checara o relógio antes de se deitar: já passava da meia-noite.

Diferente dos outros dias, os tons da luz não começaram a invadir o espaço gradualmente. Alguma coisa estava acontecendo. Ao invés de clarear, o quarto pequeno ficava, pouco a pouco, mais escuro. O medo, que vinha em ondas lancinantes, começou a tomar conta dela. Primeiro dos finos pelos do braço, depois da primeira camada da pele; da mais grossa e depois de todos os órgãos. Mas medo de quê?

Tivera um dia tranquilo, deitara para dormir no horário habitual, não comera nada de diferente na última refeição. Mas naquele quarto, que parecia se contorcer em si, quase alcançando suas entranhas, o medo era tão presente quanto a sua respiração sufocante.

Quando resolveu se levantar para ascender a luz, suas pernas, geralmente grossas, quase não conseguiam suportar o peso do corpo. O interruptor, que ficava a poucos passos da cama, parecia ter se distanciado em quilômetros, mas ela já sabia daquilo, sabia como quem sabe que não tem outra opção, a não ser correr. E foi o que fez.

Com os braços esticados e as pernas se desfazendo, correu. Sua palma aberta atingiu a parede primeiro. Tateou procurando por salvação, e, com um clique, sentiu o calor azulado da lâmpada invadir o ambiente.

Embora soubesse que não era a melhor das ideias, mantinha um espelho de parede ao lado da cama. Olhou para ele, e não soube dizer com o que se assustou primeiro: com o seu reflexo saindo do banheiro e indo direto para cama, ou com o do relógio digital, que marcava 00:02.

A sua mão, que não era sua, mas a que um dia viria a ser, tocou o interruptor a alguns passos da cama.

Era depois da meia-noite quando percebeu que as luzes amareladas da rua não estavam invadindo o seu quarto, como de costume. O medo que sentiu naquele ambiente, que parecia se contorcer em si, não a impediu de correr com a palma da mão aberta, que primeiro atingiu a parede, e com um clique, permitiu que o calor azulado da lâmpada tomasse conta do ambiente. Não soube dizer com o que se assustou primeiro.

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Baseado em fatos reais.

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Foto: O Grito, de Edvard Munch.

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