O fracasso do Diabo

Daniel se afastou de Deus. Bebia demais, vadiava demais e de mais a mais, se metia em toda sorte de confusão. Atento às transgressões de Daniel, o Diabo encontrou nele as condições perfeitas para se manifestar. Tratou de materializar na vida do jovem infrator os seus truques imundos, seus jogos obscuros e suas tramas cheias de maldade.

Uma noite dessas, Daniel dirigia bêbado. Além de bêbado, dirigia olhando para a tela do celular. Ele trocava mensagens com o seu traficante, quando o Diabo, na figura de uma velha com longos cabelos cinzentos, roupas puídas e uma verruga enorme na ponta do nariz encurvado, se meteu na frente do carro. Daniel teria percebido o baque e o grito horripilante da velha bruxa, senão estivesse ouvindo, em volume ensurdecedor, a música Welcome Princes of Hell, da banda de metal dinamarquês Mercyfull Fate. Pouco tempo depois, como se nada houvesse acontecido, Daniel se encontrou com seu traficante e os negócios saíram conforme o planejado, ou seja, dois doidões, um mais, rico, o outro, mais pobre.

Sem desistir de assombrar a vida de Daniel, o Diabo, desta vez, elaborou um plano infalível. Às três e quinze da manhã, na hora mais escura da madrugada, ele balançaria bravamente a cama de Daniel, como se um terrível terremoto se abatesse sobre o quarto do rapaz. Só não contava o Diabo que a sua vítima estaria acompanhada. Daniel tinha o hábito de trazer para o seu apartamento prostitutas, em sua maioria, mulheres viciadas, que trocavam sexo por uma carreira de pó. Quando a cama começou a tremer, subindo a altura de um palmo do chão e aterrissando violentamente contra os tacos de madeira, Daniel não teve dúvida: foi a sua melhor transa. E se apaixonou pela prostituta.

Com a paciência se esgotando, o Diabo decidiu que iria tirar a vida de Daniel, de modo a abrir os portões do Inferno, ele próprio, ao novo morador. Para tanto, precisaria tomar a forma de um ladrão, que abordaria o rapaz em uma esquina escura e lhe daria três tiros no peito. No dia planejado, o Diabo só não morreu de tédio, porque, sendo Diabo, já havia morrido por volta do século 2, a.C. Nada de Daniel aparecer. E não apareceria mesmo, já que o malandro estava escondido atrás de um poste, na mesma esquina escura, de onde arrematava as carteiras de senhores incautos que por ali passavam.

Só que o Diabo é brasileiro, e brasileiro não desiste. Além do mais, sentimento de fracasso é típico da natureza humana, e um Diabo que se prese jamais admitiria se sujeitar às fraquezas mundanas. Pois tratou o Diabo de se reinventar. Agora, decidiu se materializar na vida de Daniel na figura de um elegante vendedor de chapéus. Ele ofereceria o chapéu aveludado mais bonito da cidade ao rapaz por um preço vil: cinco reais. A oferta seria irresistível, e o chapéu, encantado por alguma espécie de bruxaria, faria cair os cabelos do rapaz em três dias. Nada mais aterrorizador para um moço.

Então o Diabo ergueu uma bela banca de chapéus na praça do centro da cidade, onde Daniel vadiava todos os dias à tarde. O rapaz ia passando, quando o Diabo, em sotaque francês, ofereceu o tal chapéu aveludado. “Cinco reais”?, perguntou o rapaz, incrédulo e com os olhos brilhando. Sem titubear, Daniel tirou uma nota amassada do bolso e a entregou ao vendeur de chapeaux, ao mesmo tempo em que jogava no lixo o velho chapéu que usava. Neste momento, o Diabo não pode deixar de perceber algo que lhe feriu profundamente, como uma facada nas costas: não havia nenhum fio de cabelo sobre a cabeça de Daniel.

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