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Confissões pós sessões de radioterapia

Eduardo de Ávila

Já trouxe aqui, nessa conversa semanal, sobre o tratamento que estou me submetendo. Como bem o disse um sobrinho, depois de dez cirurgias, posso me considerar um vitorioso dilacerado. Parece paradoxal, mas não assim considero. Ele até só se referiu ao estado de dilaceramento pelas invasões, a consideração vitoriosa é por minha conta e pretensão. Entre essas tantas vezes que já fui sedado, ao longo de muitas décadas, estou incluindo algumas da infância como garganta e retirada de apêndice. Seguiram se outras como cordas vocais, estreitamento de esôfago e outras, até chegar em procedimentos mais delicados. Tumores, primeiro no intestino e depois a retirada total da próstata, esse último ainda sigo na luta.

O tumor no intestino, descoberto precocemente – graças ao cuidado que sempre tive com a saúde – já completou oito anos. Foi monitorado em três ocasiões – conforme o protocolo sugere – com um, depois mais dois e três anos após a segunda, quando no sexto ano de vigilância recebi a boa notícia de que essa recidiva estaria descartada. Paralelo a isso já vinha acompanhando a questão prostática – desde os 40 anos -, com histórico familiar que vem do meu avô, passando pelo papai e que brindou aos filhos do Carlos e Maria. Faustão puxou a fila. Sigo na resistência. Após uma bem sucedida cirurgia, a biópsia acusou que algum fragmento ficou alojado em tecido próximo. Nova fase de vigília. Ah! Acrescente se aí a última das cirurgias, que me devolveu a alegria de viver. Charadinha fácil!

Nada que me sugerisse e/ou ocupasse com o desânimo, ao contrário, sempre lidei bem com esse tipo de situação. Não sou hipocondríaco e muito menos alarmista. Minha convivência com esse desconforto, ao longo de tempos, sempre me sugeriu a opção pelo tratamento e comportamento jocoso com a presença de células tão indesejáveis. Melhor assim, distraindo a mim e a essa espécie que desrespeitou meu território. Tenho um acordo silencioso com elas, ainda que minha intenção seja de eliminar e exterminar todas essas células dentro do meu organismo. Finjo não importar com seu avanço. Assim como elas foram ocupando espaço sem serem convidadas – comporto igual num joguinho eletrônico -, ataco e detono por atacado. Durante quase dois meses travamos combates diários, só cessando fogo nos finais de semana e feriados.

Assim foram os 34 ataques (sessões) desde o início de agosto. Só na última semana, confiante na rendição desse inimigo, me recolhi para durante um ano seguir na avaliação trimestral do sucesso deste embate. Nesse período de guerra, como um bom combatente de guerra, me vi combalido em alguns momentos. Avisado e bem prevenido, aprendi a conviver com o que os profissionais da saúde chamam de fadiga. Nas consultas semanais esse tema era objeto da prosa entre o paciente impaciente e a doutora e/ou o doutor. Sempre reclamando, registrava que o sentimento era de pura preguiça. Qualquer sofá que abundasse por assento, me sentia abraçado para um bom cochilo. Depois da última sessão, quando sai de lá (RadioCare do Felício Rocho) festivamente por aqueles profissionais que tão bem me acolheram – assim como fazem com todos os pacientes em tratamento -, fui avisado que em cinco dias me sentiria livre desses desconfortos.

Sim, no plural, uma vez que além da fadiga (preguiça) tive de conviver com outros indesejáveis efeitos colaterais. Incontinência urinária e diarreia permanentes. Em todos os lugares que tive de ir, fosse academia, trabalho ou cafeteria, era obrigado a ficar próximo ao lavabo. Era vapt vupt, sem aviso prévio. Como o Pátio é próximo da minha casa, facilitava meu trajeto, já que prefiro – como a maioria das pessoas – meu doce banheiro pessoal. Ainda assim, por algumas vezes molhei as calças e cheguei a sentir falta da mamãe para trocar as fraldas. Eita! Muidifiço! Tive de fazer uma viagem, a doutora me aconselhou ir sim de fralda e depois relatar a ela o resultado. Nos dois trajetos – vapt vupt -, sem qualquer incomodo, o que me valeu ouvir e ter de aceitar que isso era realmente questão de cabeça. Psicológico.

Pior que esses previsíveis contratempos foi uma inesperada infecção. Diagnosticada depois de duas idas ao Pronto Atendimento como gastroenterite infecciosa, que entre outras coisas me apresentou a bacteremia – até então só conhecia esses nomes por ouvir dizer – que é bem melhor saber apenas que existem e a vivenciar esses momentos. Não fui feliz nos dois atendimentos, notadamente no primeiro deles, e tempos depois fui entender a gravidade que estive exposto. Mas como meu anjo da guarda do catolicismo familiar e meus guias e mentores espirituais do meu grupo de oração são fortes, cá estou eu contando minha recente história – com um pouco de estória – e programando para seguir sem mudar meu jeito de ser e de viver. Com exceção de um jogo do meu time – Galo – (que tive de dar nó em muita gente), os demais durante a crise foram longe de Belo Horizonte, o que me ajudou a seguir sem faltar a qualquer partida na nossa Arena e nem nas sessões de radioterapia. E foi só terminar o tratamento que o time voltou a vencer. Que simbiose perfeita! Que assim seja!

Em tempo: no final da manhã saiu o resultado do primeiro controle pós radio. Desejado abaixo de 0,25; pois veio 0,01. Gracias!!!

Blogueiro

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  • Quando jovem, acordava e procurava o Jornal Estado de Minas, para ler a coluna do Roberto Drumond (Galo).
    Hoje a primeira coisa que faço é procurar seu blog Canto do Galo.
    Parabéns pela persistência!
    A vida gosta de coragem!

  • Boa Tarde Eduardo de Ávila! Prossiga cultivando a positividade. Ao ler seus textos percebo você sempre focado nas soluções. Você é inspirador. Continue dando este lindo exemplo de otimismo. Abraços Fraternos Patrícia Lechtman.

  • Você é forte, guerreiro e um querido amigo! Tô muito feliz com esse resultado, siga, eu disse que iria vencer, vencer, vencer...

  • Você é um vencedor, com certeza passará muito bem por mais um desafio. Estamos juntos meu amigo. Aqui é Galo, assim como você, Forte.

  • Você é um guerreiro que supera tudo com a alegria e prazer de viver estampado no seu coração. Deus abençoe sempre sua caminhada. Saudações celestes.

  • Buenas tardes, mestre!
    Minhas esposa enfrentou o maligno 3 vezes: seio, vesícula e pulmão. Depois do terceiro, há cerca de 6 anos, passou a tomar uma solução amazônica: SUCUUBA. Acho que a prescrição indígena tem sido satisfatória.
    Cuide-se!

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