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O alento das ruas no domingo

Eduardo de Ávila

Via de regra aproveito o final de semana para antecipar ou avançar no texto deste Mirante para terça-feira. Foi assim que no sábado à noite, depois da derrota vergonhosa – mais uma – do meu Galo, debrucei nessa missão aqui do Mirante. O título até seria “minha geração está indo embora frustrada”, relembrando ocorrências da juventude misturada com a história mundial e do Brasil. Vivi infância e adolescência nos anos 60 e 70, numa criação rígida de obediência às tradições e ritos – notadamente do regime militar e da igreja católica -, que mais tarde passei a reavaliar e questionar. Consequentemente, numa condição de vanguarda a optar pelos valores que julgavam ser mais justos que aqueles ensinamentos engessados. Nada contra, até reconheço que nossos educadores – pais e professoras/es – foram de uma geração pós guerra que traziam o medo e a aceitação de uma subserviência que interessa sempre aos donos do Poder.

Com isso, amadureci e vivenciei anos de resistência, tanto ideológica quanto religiosa. Nesse segundo aspecto, arrisco em dizer que sou mais praticante que muitos que se dizem tementes a Deus e fazem às escondidas toda espécie de zombaria com os ensinamentos do Pai e do Filho. Travestidos de uma dedicação religiosa conservadora, usam e abusam dessa premissa em donos da verdade. Via de consequência, nas opções ideológicas, sob o mesmo manto obscuro, optam pelo discurso do conservadorismo – a maioria deles para o radicalismo – em defesa do cínico tríduo família, pátria e liberdade. Entrar a fundo na vida desse tipo de perfil, notadamente seus líderes impostores, comprovamos que são contraditórios em sentido amplo. Várias famílias e relações extraconjugais, apátridas e defensores de regime Ditatorial, conforme assistimos nos tempos recentes.

Criam slogans dissimulados e se alimentam de fake News, onde se apegam em mentiras, insistindo que sejam a verdade de seus interesses sórdidos. Bandido bom é bandido morto, muito utilizada no tempo que em conluio com a mídia tradicional inundou de mentiras os brasileiros, como no caso da minha bandeira jamais será vermelha e outros similares. E a população sem rumo e sem saber que lado acreditar passou a sofrer as consequências com esse avanço de amalucados – conforme dito pelo miNto – para tentar se afastar da responsabilidade de suas articulações golpistas. Confesso que, no meu caso, tanto pela idade quanto pela debilidade física – convivendo tem quase dez anos com médicos, laboratórios, cirurgias, internações, até brinco que tenho mais horas nesses lugares (acrescente as longas salas de espera) que de sono e noites dormidas. Com isso, passei a imaginar que toda as conquistas dos anos 80 estavam indo pelo esgoto do escárnio.

Para minha surpresa e euforia, o domingo me acordou para a vida. Resistência sempre foi o segundo nome daqueles que reagiram ao conformismo e acomodação sugeridos na educação daquele momento pós segunda guerra mundial, associados às informações distorcidas no ocidente sobre a guerra fria e no caso brasileiro o golpe de 64. O básico para essa opção e dedicação, sem deixar de viver – namorar e constituir família, torcer pelo seu time do coração, entre outros prazeres, afinal a vida é para ser curtida – é saber conciliar com respeito aos divergentes seu modo próprio e pessoal de buscar seu propósito.

Foi assim que na década de 80 avançamos e muito. Diretas Já, a eleição do Tancredo – que fez muita falta na transição e não deixou legado -, logo depois seguimos com a ascensão do Itamar e as eleições do Lula e Dilma. Mas, os golpistas de 64, reapareceram e conduziram o país ao caos. Moro, Aécio, Temer e outros figurantes, encaminharam o país para essa infeliz divisão entre os dois neurónios, conforme disse um campeão de voto em Minas Gerais. Chupetinha disse que o brasileiro só tem dois neurônios, “o pró e o contra”. Será que ele tem algum? Alguém já ouviu ou viu alguma declaração desse infeliz e incapaz desarmada ou sem sugerir o confronto? Eu nunca!

Mas, de volta ao domingo inesquecível de 21 de setembro. Ainda convivendo com as sessões de radioterapia – ontem fiz a última – arrisquei ir até à Praça Raul Soares na manifestação contra a PEC da bandidagem e outras pautas que contrariam os Deuses da direita e do reacionarismo. Cheguei cedo, como é meu costume, dei uma volta e imaginei que seguiríamos no fracasso de mobilização do povo nas ruas. De repente, para meu delírio democrático e resistência aos podres poderes, percebo o espaço sendo tomado. Em minutos, minha expectativa mudou. Até procurei o decano dessa militância, Mauro Werkema, para me penitenciar. Havia dito sobre meu desânimo com ele, minutos antes, tinha de reagir comigo e reanimar o companheiro de tantas lutas pela Democracia. Dali pra frente foi só acompanhar as avenidas que dão acesso ao local da concentração numa satisfação indisfarçável. Amazonas, Augusto de Lima, Olegário Maciel, Bias Fortes, todas e nos dois sentidos coalhadas de gente rumo ao evento da resistência democrática. Meu folego acabou, minhas pernas já não seguravam meu corpo, mas as lágrimas festejavam essa volta do povo para as ruas.

Um amigo, Zé Roberto GaloDaMata, me alertou. Doutor Ulisses Guimarães, um dos mais lúcidos políticos brasileiros, avisava “só o povo na rua mete medo em político”. Hoje faltam gente como ele, Itamar, Tancredo, Teotônio, Brizola, Covas e outros que foram fundamentais naqueles anos 80. E, assim como foi em Belo Horizonte, aconteceu no Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Brasília, Recife, Porto Alegre e várias capitais estaduais e municípios brasileiros. O melhor de tudo isso, imaginem, o sucesso dessa reação não foi tanto pela mobilização dos organizadores (fundamentais para os eventos), mas sim o centrão, o banana Hugo Motta, junto de toda essa matilha da extrema direita. Essa gente, que defende a impunidade para bandidos, mal acostumada vinha navegando sem limites. Tomou! Com isso, sem dúvida, agora a mobilização popular vai as ruas exigir muito mais. Contra a jornada 6 X 1; isenção do IR até 5 mil; taxação das grandes fortunas; derrotar a PEC da bandidagem (blindagem dos bandidos que sangram o orçamento da União); e também a anistia para golpistas e corruptos. Ah! Em tempo: “Empresário bom é empresário que tem preocupação social”.

Blogueiro

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  • Meu caro amigo, somos da mesma geração, mesma formação, mesmo campo ideológico, mesma crença religiosa, carregamos as mesmas decepções políticas e os mesmos ideais. Neste final de semana passado fomos "surpreendidos" ao ver a nossa força escancarada novamente nas avenidas de BH e de todo o Brasil. Vimos que nossos sonhos e ideais estão vivos e fortes, muito fortes. Vimos que a canalhice nos acordou, que a escória política nos reacendeu. Eles, os calhordas com seus absurdos, nos fizeram acreditar que a vitória continuará sendo nossa. Nas ruas e nas urnas (eletrônicas e confiáveis).

  • Bom Dia Eduardo de Ávila! Seus escritos são de fato notáveis. Seu discurso comunga com sua prática. Permaneça escrevendo. Considero seu jornalismo de excelência! A luta pela construção do processo democrático brasileiro não pode parar. Parabéns pela transparência! Gratidão Sempre! Abraços Fraternos! Patrícia Lechtman.

  • Caro! Sobre essa gente q nos últimos anos vem tomando o País de assalto - pl ( principalmente ), direita e extrema-direita escreveu Érico Veríssimo em 1971: "Comunista é o pseudônimo que os conservadores,os conformistas e os saudosistas do facismo - é o q eles são - inventaram p designar simplemente todo o sujeito q clama e luta por justiça social". É nossa tarefa trabalhar p q em 26 o Congresso volte a ser a nossa casa e não cafofo de bandido. As ruas no 21/09 p.p. deram o recado de quê o pulso q estava adormecido ainda pulsa.
    ObriGALO pela menção.
    Abraço
    Fique bem!

  • Como é bom ver o povo na rua novamente, levando um alento que o povo e as ruas ainda resistem e sempre resistirão. Estes calhordas estão com a faca no pescoço agora. Não adianta o povo eleger o presidente Lula e não dar a ele a condição de governar, dando também um congresso decente e não este bando que o PL levou para lá. Que nós, o povo saibamos votar para a próxima eleição de 2026. Que possamos eleger um governador para Minas Gerais decente, que possamos eleger deputados e senadores decentes e que possamos reconduzir para sua quarta vitória democrática o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

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