Maria Octavia

Rosangela Maluf

Hostal del Habano
Conde de Villanueva
Habana Vieja, Cuba

Quando Octávia conseguiu um lugar de camareira no Hostal del Habano, foi quase como um milagre. Ninguém na vizinhança acreditou quando ela, metade brasileira, metade cubana, deixou de lado uma promissora carreira de ginasta para ingressar no mundo do turismo, dos dólares fáceis, o que lhe permitiria acesso a tudo de bom que se pudesse comprar, clandestinamente, na ilha. E conhecer gente nova, gente rica, llena de plata, brasileiros, europeus, quem sabe alguém que pudesse se interessar por uma mestiça?

O Hostal ficava na Calle de los Mercaderes, n. 202, esquina com a Lamparilla; um requintado e luxuoso sobrado, com um lindo pátio interno, decorado com enormes vasos, cheios de plantas. Corredores espaçosos e vitrais coloridos numa elegante ambientação colonial. Sóbrio, o salão dos fumadores oferecia todo o conforto e harmonia de estilos que os amantes do tabaco esperavam para uma experiência tão prazerosa e inesquecível.

Octávia cuidava de todos os nove aposentos: as suítes e as semissuítes. Varria, limpava, lavava, trocava as roupas de cama, as toalhas de banho, deixava tudo brilhando, repunha o kit de perfumaria e alguns outros mimos, como caixas de fósforos, isqueiros e sachets perfumados.

Era um trabalho bastante cansativo, mas as gorjetas, em dólares, eram generosas, e seu sorriso aberto e branco inflacionava o valor normalmente concedido às camareiras. Era simpática, alegre, sempre pronta a dar informações, aconselhar roteiros, mostrar no mapa os pontos interessantes, os melhores restaurantes de Havana, as casas noturnas, os melhores shows, as estradas para Santa Clara, Santiago, Sierra Maestra, tudo com grande vivacidade e entusiasmo.

Aos 28 anos, Octávia não pensava em se casar, nem ter marido, filhos, nada… Só pensava em ir para o Brasil. As revistas deixadas pelos turistas só faziam aumentar seu encanto pelo país de sua mãe. As novelas, vistas na televisão, eram objetos de sonho e encantamento, olhados com olhares de fantasia. Octávia só pensava no carnaval brasileiro! Gente bonita e nua, as ruas cheias, o samba, a riqueza dos desfiles, as praias tão lindas como as de Varadero. Os carros que circulavam, novinhos; liberdade plena, dinheiro fácil, no Brasil sim, é que seria bom viver – andava farta de tanta pobreza ao seu redor.

No cortiço, onde vivia com os pais e um irmão, quatro outras famílias dividiam as mesmas áreas internas, os banheiros, a luz, às vezes o pão e o rum. A bolsa de alimentação era horrível, tudo muito escasso: comida, sabonete, papel higiênico e só mesmo no hostal ela podia sentir um pouco mais de conforto.

Desde que começara no novo trabalho, passou a se dar a pequenos luxos e grandes prazeres, nunca antes conseguidos. Além dos muitos presentes deixados pelos hóspedes, passou a usar roupas melhores, menos velhas e surradas. Maquiava-se com cuidado, possuía quatro batons de cores diferentes. Trazia os olhos sempre bem pintados e todos os dias usava lápis e rímel. Aprendeu a cuidar dos cabelos, e o pequeno espelho quebrado, onde se via antes de sair, lhe dizia o quanto se fazia bonita. Já podia variar entre três brincos de argolas, dourados, prateados, de diversos tamanhos.

Naquele verão, os voos do Brasil chegavam em grande quantidade; não só para a ilha, mas também para as praias, belíssimas como Varadero, Cayo Coco, Guardalavaca, próxima à cidade de Holguín e muitos, muitos lugares de indescritível beleza natural. Quem ficasse uma semana em Cuba não deixava jamais de conhecer Santa Clara, Trinidad, Camagüey, Santiago… a ilha era mesmo uma grande festa.

Numa dessas manhãs preguiçosas, no café da manhã, Octávia olhou para aquela mulher, sozinha, na fila para se servir de um suco. Algo lhe pareceu familiar, mas não era nenhuma hóspede habitual do hotel. Uma pessoa conhecida, talvez? Achou que não… A despeito dessas interrogações, dirigiu-se à mesa para lhe perguntar o número do seu quarto.

Que olhar era aquele? Que coisa estranha se passava com aquela mulher? Uma pessoa tão igual, nem alta nem baixa, nem feia nem bonita, nem gorda nem magra, mas que tinha um certo encanto, ah, tinha sim.

Foram inúmeras as trocas de olhares durante aquele café e durante os quatro dias em que a misteriosa mulher permaneceu ali. Conversaram poucas vezes. Perguntas comuns, sem nada de especial. Ela iria para a Jamaica e voltaria dentro de dois dias para passar, em Havana, o resto das férias.

Foi na volta que tudo se deu: o reencontro, os sorrisos, as trocas de olhares e toques de mão, os primeiros jantares, as noites calientes no quarto 7, e Octávia viu que sua vida poderia ser melhor, muito melhor.

Sentiu que nenhum homem lhe causara antes aqueles sentimentos que brotavam em seu peito, bem lá do fundo! Nunca se sentira assim ao contato com outra pele; nunca aquele cheiro, nem aqueles cabelos negros e macios. Descobriu-se apaixonada…

O tempo passou… olhava e olhava aquele cartão branco, com o nome da Dra. Nahiman, o endereço do consultório de pediatria, telefone, e-mail, dias e horários de atendimento, e de tanto beijar aquele pedacinho de cartão foi ficando mais e mais apaixonada.

Zuleina recebeu, duas semanas depois, um cartão do Rio de Janeiro: um imenso céu azul, montanhas, mar, florestas e um Cristo ao fundo. Escrito com caligrafia miúda, um recado de Octávia:

Estoy muy, muy feliz… Besos!

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2 comentários sobre “Maria Octavia

  1. Bastante interessante esta ligação com o Brasil, que de sonho, passa ao concreto: apaixonar-se por uma brasileira. Adorei!

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