O que vale um carinho

Peter Rossi

 

Estava eu no restaurante, com o laptop em frente ao rosto, revisando um livro que será lançado, de um grande cantor que fez muito sucesso nos anos 70 e 80, e que é admirado até hoje.

Eis que chega até a minha mesa o Isaías com uma farta porção de azeitonas, para distrair meu apetite até que a massa ficasse pronta. Era sábado, eu me deliciava com uma cerveja gelada.

Em seguida chegou um freguês e nos interrompeu, agradecendo ao garçom e pedindo desculpas pelo “mal-entendido”.

Fiquei sem nada entender, até que Isaías começou a me explicar, logo após a saída do senhor.

– “Seu” Peter, esse pessoal chegou minutos atrás. Sentaram-se numa mesa o senhor, a esposa e uma filha de uns quinze anos. Fizeram o pedido. Mas a menina não comia carne.

– E o que é que tem, Isaías? Hoje é muito normal pessoas abdicarem da carne vermelha. Eu mesmo tenho me prometido essa conduta, embora ainda não tenha tido coragem de cumprir.

– O senhor não entendeu. Eles fizeram o pedido. Um “parmegiana” tamanho família!

Aqui abro um parêntesis para testemunhar que o parmegiana da casa é um espetáculo! Um dos pratos mais conhecidos e saboreados em nossa Belo Horizonte, sobretudo nessa casa tão tradicional. E o tamanho era mesmo “família”. Só esqueciam de dizer que era composta de pais e cinco filhos. Um prato enorme!

Isaías continuou sua história me dizendo que tão logo chegou o prato à mesa, a menina fez uma cara de quase choro mas, educadinha (foi assim que ele disse), serviu em seu prato apenas o arroz e purê de batatas.

Ele teve a impressão ter ouvido uma pequena discussão em família, os pais repreendendo a filha por sua opção alimentar. Certo é que, cismado com tudo aquilo, o garçom foi até o gerente da casa e contou todo o ocorrido.

Isaías é um homem muito simples, já me referi a ele em outras crônicas. Uma pessoa gentil, daquelas que têm uma habilidade com a vida como alguns meninos ao manejar o ioiô. Sabe lidar com os “altos e baixos”, as “idas e vindas”, como poucos.

Na beira do balcão, Isaías sugeriu ao Antônio, o gerente da casa, que fosse oferecido um pedaço de peito de frango à menina. O gerente, sabedor da sensibilidade do seu funcionário não pensou duas vezes e mandou fazer a comida.

Tão logo pronta, entregou o prato ao garçom que sugeriu que fossem os dois – ele e o Antônio – até a mesa, oferecer o pedaço de frango à menina.

– Vamos ver a reação dela, disse ele.

Tão logo chegaram à mesa – tudo isso me contava Isaías – Antônio apressou-se a dizer:

– É uma cortesia da casa, pedimos desculpas por não ter entendido o pedido.

– Nada disso, apressou-se o pai! – Pedimos esse prato mesmo, não houve erro algum.

– Bem, ainda assim, percebemos que a menina não come carne de boi e por isso oferecemos esse peito de frango. Espero que ela goste!

A menina com os olhos marejados, só fez servir-se do frango e, subitamente, levantou-se e deu um forte abraço em Isaías que, constrangido, não sabia para onde dirigir o olhar.

Voltando para o balcão, Isaías coloca o braço em torno do ombro do Antônio:

– Tá vendo o que vale um pouco de carinho?

Escutando a história, meu olhar de repente se fixa nas mãos de Isaías. São calejadas, como deve ser a sua alma também. Um homem simples, mas que me ensina um pouco a cada dia. Sempre que chego ao restaurante, se apressa em me atender. Formamos um vínculo indelével. É o que sempre me atente e aquele que faço questão que me atenda.

Conversamos pouco, sempre sobre a comida ou a bebida e, algumas esparsas vezes sobre as pescarias que Isaías gosta de fazer. Eu, particularmente, não curto pescarias, mas gosto de ouvir as histórias do amigo.

Ele, após me contar a história, apressou-se em fazer o meu pedido à cozinha, não teve tempo sequer de observar a minha expressão de pura admiração. Embrenhou-se pelas mesas, cadeiras e toalhas. Só o vi, quando estava com a massa na mão, pronto a me servir.

Minha vontade era também de levantar da mesa e lhe dar um abraço. Não o fiz, e nem mesmo sei a razão. Mas não deixei de lhe dirigir um olhar de agradecimento, não só pela comida, mas pela lição.

Ele, cuidadosamente, me pediu licença para prender em meu pescoço um enorme guardanapo de pano.

– O senhor é meio estabanado. Falou baixinho.

A minha frente um delicioso prato de espaguete à bolonhesa. De fato, iria me esbaldar e, como sempre, manchar a minha camisa com o molho de tomate.

Afinal, o que vale um pouco de carinho?

2 comentários sobre “O que vale um carinho

  1. ‘Habilidade com a vida como alguns meninos a manejar um ioiô’. Bonito isso!
    Arrisco a dizer o cenário: Pizzarella ou Casa dos Contos.
    Bela crônica!

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