Eu não passo de um ano novo

Por vezes eu pensei como seria quando ele chegasse.

Hoje eu me contento com os seus desmandos e com a sua cara lavada me dizendo que embora eu tenha a avidez da vida, é ele quem escolhe o raiar do sol.

Eu sou assim…

Chego trazendo um adocicado na boca que me remete aos ciclos que já foram cumpridos, apesar de me vestir com uma roupa nova e uma maquiagem que acabei de fazer.

Venho com as contrações das surpresas que daqui a pouco eu irei parir, e as emoções que serão enroladas num manto e deixadas na porta de quem quiser adotar.

Será parto normal ou fórceps?

Percebo gargalhadas e lágrimas se misturando ao barulho dos foguetes enquanto não alcançam o ponto final dos ponteiros. E já tem um povaréu falando mal de mim e duvidando do meu jeito de boa gente.

Serei um mocinho? Ou serei um vilão?

Algumas promessas querem me abraçar, algumas alegrias querem me contar as suas histórias, e já posso ver o andar da rotina querendo ser maior do que as lutas que iremos escolher.

Pela janela avisto o meu antecessor já pálido, considerando a sua morte prematura e sem entender os motivos que fizeram com que ele não cumprisse todas as suas tarefas. Alguns arrependimentos se aquietam no seu colo.

E num desses momentos reflexivos pude observá-lo sacudindo a mochila. Medos, angústias, despedidas, rostos, gostos, e saudades. Sentimentos beijando o chão feito um eco que já se transformou em lembranças.

Não tenho muitos gestos e nem sei falar bonito. Ainda assim, o encorajo com palavras de gratidão pra que esse desenlace não se transforme somente em lamentos. Entendo que ele fez o seu melhor, e que logo serei eu o protagonista de mais um adeus.

No quintal tem uma horta fresquinha que alguém batizou como esperança, crianças modelando massinhas e dizendo que são merecedoras de outros amanhãs, animais morando em corações.

E há quem diga que milagres são esperados para os próximos capítulos e que já é hora de deixar o lápis ao lado da cabeceira.

Talvez eu tenha que mudar o meu olhar e dizer ao mundo que somos amigos.

Olho o céu e vejo que as estrelas já começaram a bordar o futuro e as luzes do passado se apagam, uma a uma, sem pressa de dizer até breve. Lá vem os dias sambando, batendo latas, balançando as saias, fazendo declarações apaixonadas, tateando poesias, e dando vida aos sonhos que precisam respirar.

O picadeiro agora me pertence.

Uma pirueta, duas piruetas, bravo, bravo.

Apesar de ainda ser prematuro:

Tenho chamegos pra oferecer, afetos pra cativar, desejos pra festejar, e preces pra fazer dormir. Dores de alma pra curar, gente pra ensinar a sorrir, e sete ondas pra pular.

Ah! E tenho amor.

E se algum dia eu te fizer chorar, por favor, me entenda.

Eu não passo de um ano novo.

2 comentários sobre “Eu não passo de um ano novo

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