Rosângela Maluf
Fazia mais de meia hora que esperávamos o ônibus; como sempre, atrasado. Não muito longe de mim, havia um grupinho bastante animado. Eram quatro mocinhas, duas de cabelo azul, outra com as pontas cor de rosa e a outra com um estiloso black power, misturado a miçangas e fitinhas coloridas.
Falavam alto, riam muito e não pude deixar de ouvir o que diziam. Uma delas olhava incessantemente para o celular. Reclamava que o cara não respondia às suas mensagens. Um ou outro palavrão cada vez que não o encontrava em sua tela do what’s. Começou a mexer nas unhas, enormes, pontiagudas, pintadas de amarelo. Inquieta e nervosa. De vez em quando, suspirava.
Uma das amigas, também no celular, conversava (eu imagino) com a mãe. Impaciente, falava que só iria voltar bem tarde. Estava com a Lulu, iria pra casa dela e só voltaria depois do jogo. Imagino que a mãe tenha reclamado. Um palavrão. – Mãe, de boa, tá, fui! Desligou o celular, guardou no bolso de trás do shortinho jeans e procurou um lugarzinho no banco, perto de mim. Sorri pra ela e recebi um sorriso de volta. Nada do ônibus chegar. A impaciência era geral. Três linhas de coletivos passavam por ali e, durante quase quinze minutos, nenhum passou. Continuamos esperando.
A do cabelo afro, também olhando o celular, falou: – Galera, se vocês ganhassem sozinhas o prêmio da mega sena, o que é que fariam com tanta grana? Risos. Uma compraria uma casa para os pais e um apartamento gigante, só para ela. Iria morar sozinha. Dispensaria o bobão do namorado e iria cair na gandaia. Salão toda semana, roupa de grife, lojas de madame e tênis de todas as cores, cada um mais caro que o outro. Tudo importado, é claro!
A do cabelo rosa contou que tinha um sonho: morar na praia. Iria comprar uma casa para os pais e pros quatro irmãos e iria para Guarapari. Compraria uma cobertura, de frente pro mar e como teria muito dinheiro, viria uma vez por mês, de avião, para visitar a família e encontrar com as amigas. Iria, ela mesma, comprar tudo para o apartamento. Os móveis, os eletros, tudo. Queria ainda um monte de quadros nas paredes. Daqueles bem grandão, coloridos. Compraria um biquíni pra cada dia da semana e todo-santo-dia ela iria à praia. Correr, deitar ao sol, tomar água de côco. Faria muitas amigas e arrumaria um personal trainer pra lhe ensinar a nadar.
A do cabelo azul curtinho, confessou que não sabia ainda o que faria com tanto dindin. – Puxa, nem um sonho, uma vontade, falaí, mana! Mas, a mana não falou. Só observava. De todas era a mais calada, discreta, me pareceu muito tímida, contida, encolhidinha em seu canto.
A de cabelo azul, anelado e batendo nos ombros, falou pra todo mundo ouvir: – Eu pagaria o Hulk por um dia inteiro comigo. Risos e mais risos. O maior sonho que eu tenho é ver se aquele bumbum abençoado é mesmo como eu imagino. – Vocês já prestaram atenção naquela bunda? Que coisa mais perfeita. Quando ele tá de lado, a câmera mostra aquela curvona, sabem, quase uma montanha. E eu paro de prestar atenção no jogo do meu Galo pra ficar sonhando em ver – só ver – aquele bumbum. – Gente, não acredito que vocês nunca pararam pra ver aquela coisa do outro mundo. Era tudo que eu queria. Não precisava acontecer nada. Nada mesmo. Eu iria pedir pra ele se deitar, de bruços, eu mesma puxaria seu calção e ficaria uns dez minutos, só olhando. Depois de ter visto a marquinha da sunga, passaria a mão, várias vezes, porque tenho certeza de que a pele é tão macia quanto o bumbum do Arthur, meu afilhadinho!
Fiquei rindo sozinha depois de ter ouvido o relato daqueles sonhos de adolescentes. Não demorou muito o ônibus chegou e todos nós embarcamos até o Centro da cidade. Elas ainda riam muito e comentavam gritando Hulk e caindo na gargalhada. Era uma quarta feira e à noite haveria jogo do Galo. Resolvi assistir o primeiro tempo. Quando a câmera focalizava o Hulk, passei a observar a cena com outros olhos. Era mesmo um bumbum imenso, redondinho, não sei se haveria marquinha da sunga e nem se seria macio como o de um bebê, mas a louquinha tinha certa razão. Dava mesmo pra pensar…