Peter Rossi
Ela me dizia sobre conversar com o olhar.
São pequenos gestos sobre os quais não nos atentamos. Coisas simples, mas tão importantes.
Ela tem razão. Os olhos falam, clamam, convidam. E, com toda certeza, com um nível de precisão e sinceridade inalcançáveis. Olhos não mentem, mesmo quando não querem!
Num olhar nos desviamos do assunto, noutro mergulhamos. Convidamos para uma volta pela praça – olhares dados, braços entrelaçados. Olhares seguidos, apaixonados, olhares amigos. Olhares que dividem a lua, e sob o brilho se refletem.
Janelas e varais, estendidos que estão pelas ruas forradas de emoção. Olhares de violão, que encantam a moça. Olhares flutuantes, olhares de ontem, olhares de antes.
Imagens que compartilhamos. Medos, sustos, amores, saudades.
Olhares de filhos buscando o colo de mãe. Olhares de maré, estendidos pela praia, embevecidos com o mar.
Olhar de menino que amava nem que fosse pra simplesmente amar, dizia. Para na noite embebedar de amor e, trôpego, de manhã, começar o mesmo dia.
Olhar que tece os fios da trama, que percorre o corpo, que imagina a alma, que finge estar com frio, a pedir um abraço.
Através do olhar nos permitimos dizer o que queremos com a certeza de que jamais seremos descobertos. Olhares instigantes que inspiram, mas também expiram pobres conveniências.
Olhares que fecham como a dizer que concordam, que anuem. Olhares que se espantam com o flerte. Olhos que piscam, como faróis a incendiar nosso puro reflexo.
Olhares que a menina tímida insiste em jogar ao chão, não por desprezo, mas com a sutil intenção de se fazer sentir.
Os olhares também nos permitem definir o tempo. Olhares frios, olhares de nuvem.
De fato, ela tem razão! O dialeto do olhar é imenso, intenso, único.
Fico eu aqui buscando a melhor definição. Qual o melhor olhar? O de ontem? O olhar dela? Sem perceber deixo meu olhar cair no vazio da dúvida.
O melhor gesto do olhar é se perceber compreendido e num simples piscar viver uma vida inteira, ainda que num segundo entre o escuro e a luz. Olhar cúmplice, culpado, que de tanto falar se emudece. De tanto amar se molha, de tanto sorrir se abre. Olhar com cortinas em forma de pálpebra que após seu melhor espetáculo teimam em piscar, como a agradecer pelos elogios.
Olhar que se perde pelo caminho, mas que sem querer se encontra num cruzamento, olhares que se cruzam.
Olhos de sereia, olhos de mar, deitados na areia. Molhados, emocionados. Olhares sós, tristes. Oblíquos, dissimulados. Olhares de soslaio. Olhares que vigiam o temor. Olhares que teimam e não deixar de olhar.
Olhar que se esconde da janela e numa pequena fresta acompanha os passos dela. Olhar a clamar pelo beijo abandonado numa esquina da nossa juventude. Beijo roubado de nossas vidas, de nossas lembranças. Olhar de criança, puro e simples. Simples assim. Olhar de calças curtas e saia rodada. Sonho de olhar. Olhar guardado em envelope, dobrado, dentro da gaveta de tempos atrás. Olhares rasgados do calendário, descolados, desfocados. Olhares abandonados.
Quantas emoções são gestos de olhar. Quanta mímica, que embora pareça mínima, escancara nossas todas intenções. Olhares abertos, esparramados nos olhos da menina, refletidos, sentidos, absorvidos, convidados. Olhares em festa a cantar de amor. Múltiplos amores, a refletir o céu com fogos de artifício!
Olhar bom, sem sobrancelha franzida. Olhar escancarado, desmascarado. Olhar vestido de paixão, olhar de coração. Olhar que palpita, ritmado, encantado, desesperado a procurar.
Olhar perdido, num canto de rosto escondido, que só outro olhar pode encontrar.