Quando eu me for

Silvia Ribeiro

Quando eu me for não quero levar comigo a sensação devoradora:

De ter não ter tido um caso com a vida.

De não ter bebido cada letra dos meus livros.

De não ter flertado com as minhas luxúrias.

De não ter destinado as minhas poesias.

De não ter traduzido as minhas carícias, endorfinas, e serotoninas.

De não ter gargalhado das minhas dores mais pungentes.

De não obedecer o meu suor e os seus desejos.

De não ter cometido atentado ao pudor desnudando as minhas utopias.

De não visitar os cantos mais íntimos do meu coração.

De não cantarolar refrões que dilaceraram as minhas lembranças.

De não deleitar a minha alma com voos desnorteados do destino.

De não ter levado a minha meninice para brincar.

De não ter dito desaforos para o medo e todos os seus sinônimos.

De não me lambuzar de chocolate homenageando a minha TPM.

De não ter sangrado o grito da ausência agonizando a saudade.

De não ter tapeado o tempo quando ele ainda era fresco e tinha pureza no andar.

De não ter sido grata com as minhas lágrimas.

De não ter visitado as minhas fotografias antes que elas amarelassem.

De não ter confessado segredos pro meu travesseiro.

De não ter costurado feridas e rezado pra escapar.

De não ter recitado os meus mantras e as suas energias sutis.

De não ter levado pra cama o homem que me fazia sorrir.

Quando eu me for….

Não levarei comigo o grito do “eu te amo”.

10 comentários sobre “Quando eu me for

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