Categories: Peter Rossi

Meus óculos

A ida na praia foi a culpada de tudo! Um descuido de quem sempre usou óculos e o mergulho aconteceu. O resultado: deve existir algum peixe usando o apetrecho, pois o meu foi parar no fundo do mar.

E agora? A solução foi usar os escuros e extrair dele uma cópia, senão as férias seriam frustradas. Assim fiz. Estou com óculos mequetrefes desde então, há mais de um ano.

Algumas sombras passaram a aparecer e fui convencido a procurar um oculista, afinal estava usando um sem mesmo saber qual o grau de cada uma de suas lentes.

O diagnóstico foi direto: catarata! – Como assim? Isso é coisa para pessoas mais velhas, respondi ao médico, me esquecendo de que já alcancei os sessenta. Ele, o médico, limitou-se a responder: – pois é!

A solução apresentada pelo oftalmologista foi a submissão a uma cirurgia. Uma não, duas. Um olho seria operado a cada semana, primeiro o direito, depois o esquerdo. Vai que a coisa dá errado, em terra de cego quem tem um olho é rei.

Seguiram diversos exames e a afirmativa do médico de que provavelmente não precisarei mais usar os óculos. 

– Como assim? Eu nasci de óculos! Sem eles me sinto despudoradamente nu. Eu preciso dos óculos, mesmo que as meninas do Leblon não me olhem. Preciso, preciso.

Aquela informação caiu como uma bomba! Eu, sem usar óculos? Isso seria quase que uma amputação, não posso concordar.

Fato é que me submeti à primeira cirurgia, a outra faço semana que vem, já que, segundo o médico, deu tudo certo. Uma lente foi implantada em meu olho, com o exato grau de minha deficiência ótica. Óculos mínimos agora vestem meu olho direito.

Entre uma cirurgia e outra, fico eu a pensar como viverei sem óculos doravante. Com sinceridade, não gostei dessa ideia. Os óculos compõem a personagem e, com ela, a personalidade. Me sinto seguro com eles, parecendo até quem não sou, em alguns momentos.

Uma fantasia que me faz feliz, sem o dom de iludir, porém desafiando o espelho a me dizer que fico mais charmoso com aquelas lentes de vidro, apoiadas no nariz.

Amo meus óculos e, invariavelmente, durmo com eles, ora no meu rosto, ora debaixo do travesseiro. Sou carente e oticodependente.

Tenho agora que conviver com esse dilema e tratar de achar uma solução. Me lembrei do cantor Elton John, outro apaixonado por óculos, possuindo milhares deles. Não preciso de tantos, um só me basta! É incrível como a inovação passa como um rolo compressor sobre nossas convicções. O que achamos indispensável é triturado em razão de minutos. Esse progresso é bom, mas traz em seu bolso, situações que acabam por desagradar.

Fui a uma ótica e comprei óculos novos. A vendedora me pediu a receita, a medição feita pelo oftalmologista, para providenciar as lentes específicas. Explico a ela que quero os óculos sem lentes específicas. Atônita, ela me perguntou: – como assim? O senhor precisa me apresentar a recomendação médica para que eu possa mandar fazer as lentes dentro de suas necessidades!

Esperei alguns minutos e apenas respondi que não preciso usar óculos, pois fiz a cirurgia de implante das lentes.

– Ah, entendi. O senhor pretende dar um presente! Ela concluiu.

Tive desânimo em justificar e apenas disse que era isso mesmo.

– Um presente, vou dar os óculos de presente a um amigo.

Paguei e saí da ótica pensando se a vendedora não teria extrapolado em suas atenções.

– Ora, por que devo dizer qual a finalidade dos óculos que comprei? Será que ela precisa mesmo saber da minha oticodependência?

Caminhei pelo shopping. Abri a sacola que ela me entregou e coloquei os óculos. São modernos, contemporâneos. Me senti um homem renovado e feliz.

O médico fez e certamente continuará fazendo um ótimo trabalho, mas peço desculpas sem querer, de maneira nenhuma, menosprezar sua ação e competência, mas sigo convicto de que sem óculos, não sou ninguém.

Continuarei a usar, mesmo sem grau!

Blogueiro

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  • Que delícia de crônica! Achei incrível a reflexão sobre como somos dependentes de nossa imagem corporal, como certas mudanças, mesmo sutis, podem suscitar novos desafios diante da velhice; passo, atualmente, por algo semelhante: sentir a idade abraçando meu corpo e também percebendo que ela chegou para meus pais, que se encontram no final de sua jornada.

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