Peter Rossi
Simone acabara de entrar para o mercado profissional. Se submetera a uma entrevista e tinha se saído bem. Iria começar a trabalhar num famoso escritório de gerenciamento de valores. Recém-chegada do interior, precisava apreender as vicissitudes da pauliceia desvairada.
Era uma menina destemida e voluntariosa, não desistia fácil. Acostumada com a rigidez da vida na fazenda, sabia se sair bem das situações que dobravam esquinas.
Tão logo chegou na rodoviária, atravessando a rua, se deparou com uma livraria. Saiu com uma sacola cheia de livros de autoajuda: “como lidar com o ambiente de trabalho”, “como ser feliz diante de uma tela de computador”, “como sobreviver a cantadas infelizes”, “como não perder de vista os objetivos que ainda não traçou”, dentre vários outros.
É engraçado como o mercado editorial adora esses manuais dos “Moiseses” de plantão! Ensinam como abrir o Mar Vermelho, só com um cajado em mãos! Eles sabem tudo, mais que ninguém. Relatam golpes de sorte e do acaso, como atos premeditados e, com uma escrita cativante, debulham conselhos a quem quer que seja, sem ao menos saber as diferenças dos matizes das vidas de cada um. Contam as histórias do fim para o começo. Mas, vá lá. Tem espaço para todo mundo nas estantes do mundo. Há quem escreve, porque existe aqueles que leem. E siga “la vida”. O objetivo aqui não é tratar do tema relativo a esses “manuais”. Mas não poderia deixar de mencionar: em breve teremos, para a gestantes, o livro “como gerar um feto feliz”, ou algo do tipo “produza um filho adaptado aos novos tempos”. E não demorará para que apareçam “Como se sentir confortável no caixão” ou “Cremação, sempre a melhor escolha”. Meu Deus do céu!
Mas falava eu de Simone e o seu novo – e primeiro – emprego. Esse é o tema dessa crônica, e nenhum outro.
Chegando ao apartamento que acabara de alugar, Simone, além de ler os livros comprados, fuçou a internet, esse cenário democrático, mas alucinado, para não dizer alucinógeno, à cata de outros conselhos. Estava preocupada em como se portar no novo emprego, como se dirigir aos colegas, enfim.
O final de semana passou como um cometa desvairado. Na manhã da segunda-feira, quinze minutos antes do início do expediente, lá estava Simone em um tailleur sóbrio e alinhado, de um tecido azul escuro. Por dentro uma camisa absolutamente branca, com a gola fechada por um broche dourado, de família. Um scarpin preto dava contornos definitivos ao visual clássico.
Andressa, a secretária, levou Simone até o seu posto de trabalho, logo avisando que Emerson, seu superior imediato, logo viria para conversar sobre as tarefas. E assim aconteceu. Simone acabara de abrir o computador e inserir as suas credenciais, criando sua senha e uma saraivada de mensagens eletrônicas pareciam jorrar em aluvião. A cada mensagem o olhar de Simone mais se abria. Como conseguirei responder tudo isso, pensava ela.
– Olá, meu nome é Emerson. Seja bem-vinda Simone. Não se preocupe com tantas mensagens, isso é natural aqui e logo você se acostumará.
A voz masculina às suas costas veio de um rapaz mais jovem, num terno paulistano, agarrado ao corpo do rapaz como uma roupa de ginástica, com um sorriso no rosto.
– Muito obrigada, senhor Emerson, é que …
– Senhor Emerson? Nada disso, somos todos iguais aqui. Me chame Emerson, ou Eme, meu apelido.
Simone não conseguia pronunciar o apelido e acabou soltando um tímido Eme…rson.
– Muito obrigada. Estou à disposição. Por onde devo começar?
– Bom, em primeiro lugar, se levante e venha comigo, vou lhe apresentar nossos colegas. Você deve ter observado que não existem paredes aqui, todos estamos no mesmo ambiente. Tudo isso é pra facilitar o diálogo e impulsionar as informações, além de passar a imagem de unicidade.
Simone se levantou e logo conheceu Carlos, Antônio, Marisa, Jéssica e tantos outros. Sabia que não iria conseguir decorar todos os nomes de imediato, mas conseguiu observar que todos usavam crachás de identificação … menos pior.
O périplo durou alguns bons minutos e acabaram por chegar até a única mesa de dimensões mais avantajadas do lugar, era o posto de trabalho da xará Simone, a diretora geral.
– Seja bem-vinda Simone! Recebemos ótimas referências suas, sei que vamos nos dar muito bem, disse a chefe, também devidamente vestida como uma executiva, mas com uma expressão mais sóbria.
Simone voltou ao seu computador e começou a ler os e-mails. Filtrou dos primeiros para os últimos, buscando se inteirar de todos os assuntos, ainda que superficialmente.
Não respondeu nenhum deles, até porque estava autorizada a tanto pelo Emerson.
– Leia tudo primeiro, depois filtre e responda àqueles que se sentir segura para fazê-lo, determinou o seu superior.
Teve permissão para levar o laptop para casa, sua intenção era se debruçar sobre as mensagens. Assim o fez. Ficou até a madrugada, lendo todas. Observou, que em todas elas, a última palavra escrita era “sds”. Não era bem uma palavra, talvez uma sigla, mas não conseguia entender.
Pela manhã, após muito meditar encontrou a solução que tanto queria e, convicta em seus argumentos, começou a responder as mensagens, uma a uma. Falava o que deveria falar e ao final, com uma simplicidade desejável, escrevia sempre a mesma frase: saudades também!