Um Papai Noel diferente

Rosangela Maluf

São duas horas da tarde quando a mãe da minha amiga nos chama para o almoço. Somos muitos aqueles que lá estão e que irão passar o Natal juntos. Temos muitos anos de amizade e convívio quase diário, incluindo um vinho juntos, obrigatório, nos finais de tarde das quintasfeiras.

Isto faz de nós quase irmãos. E somos muitos, quase dez.

Falamos o que sentimos, sem nos importar com os julgamentos.

Rimos de quase tudo.

Somos debochados. Perfeitos na arte de ouvir. Críticos.

E críticos políticos quase perfeitos, tanto de direita quanto de esquerda. Tem de um tudo em nosso grupo.  

A comida está ótima, o vinho rosé geladinho comme Il faut (especialmente oferecido para um amigo e para mim! Todos os outros vão de tinto, Malbec). Estamos falando alto, cada um tentando ser mais ouvido que os outros. Muitas gargalhadas, um falatório sem fim.

Quando olho pro lado, vejo que, lá no fundo da sala de jantar, a TV está ligada. Há um Papai Noel negro e várias crianças ao redor. Discretamente pego o meu prato, me sento perto da TV e curiosa que sou, quero saber oque eles falam.

Paro de comer e começo a prestar atenção…

O papai Noel responde!

Uma das crianças deseja saber por que ele é negro. Ele diz que as pessoas são diferentes umas das outras e que ele é mais colorido.

Outra criança diz que em sua casa não tem chaminé. Como ela deverá fazer? Calmamente, carinhosamente, ele diz que basta deixar a porta aberta.

Muitas crianças perguntam se ele recebeu as cartinhas.

Ele diz que já recebeu muitas, mas que o Correio lá no Polo Norte, costuma se atrasar e nem tudo ele poderá resolver neste ano; alguns pedidos precisarão ficar para o ano que vem.

As músicas são as mesmas que já ouvimos desde crianças… nós, agora idosos!

A câmera focaliza os olhos das crianças.

Algumas tão emocionadas não falam, nem pedido nenhum, fazem.

Mas há sempre aquelas que conversam demais.

Querem falar antes de todo mundo e continuar a conversa impedindo os outros de se manifestarem. Eu rio daquilo tudo. Continuo a ver a TV.

Aquelas crianças ainda acreditam em Papai Noel e é lindo constatar que a ilusão e a esperança fazem parte delas.

Abraçam o Papai Noel. Beijam o velhinho. Acariciam a sua barba branca. Querem que a mãe tire uma foto. Fazem pose. O Papai Noel também se faz mais bonito para as fotografias. Os celulares não param.

Um menino fica mais tempo sentadinho no colo do velhinho.

Parece puxar a barba branca do velhinho preto.

Faz carinho.  

O Papai Noel continua conversando com as crianças, mas abraçado ao menino.

Após as fotos, quase todos vão saindo. – Tchau Papai Noel!

O menininho continua acariciando a barba do velhinho.

Pergunta se ele está cansado.

Se quer uma água.

Ou um sorvete.

Papai Noel agradece e beija a cabeça do garoto.

O rapaz que filma, se afasta. O repórter, indeciso, não sabe se continua ou se para com a reportagem ao vivo.

O menino olha por Papai Noel. Os dois estão muito próximos. A cena é linda. Emocionante. Um close naquela que parece ser a mãe do menininho.

Papai Noel, quero te pedir uma coisa. Um presente de Natal.

– Outro? Responde brincando o Papai Noel.

– É..não é brinquedo, não é carrinho, nem jogo, nem lápis de cor. Quero ir com você para o Polo Norte.

O rapaz da câmera dá um close nos olhos marejados do Papai Noel. Depois focaliza a mãe do garoto que parece não ter gostado da ideia. O menininho continua lá…fazendo carinhos naquela enorme barba branca.

O repórter não fala nada. A câmera volta para o menino e o Papai Noel…

E assim, como se nada tivesse acontecido, o garotinho desce do colo do velhinho, vai correndo em direção à mãe, dá a mão a ela e se vão pelo shopping afora, como se nada houvesse acontecido!

Eu aqui, com cara de boba, tentando entender o que se passou pela cabeça da criança, da mãe, do Papai Noel…e da minha.

Enxugo uma lagriminha e volto pra mesa de jantar, sorridente e feliz como todo mundo.

Sem mais palavras!

(Fazenda Dos Anjos)

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3 comentários sobre “Um Papai Noel diferente

  1. É observando com muita delicadeza que percebemos muitas coisas nessa vida.. há pessoas que passam por nós que eu vejo o vazio dentro delas . Parabéns Rosângela pois adoro ler seus contos…me fazem refletir e prestar mais atenção.

  2. É observando com muita delicadeza que percebemos muitas coisas nessa vida.. há pessoas que passam por nós que eu vejo o vazio dentro delas . Parabéns Rosângela pois adoro ler seus contos…me fazem refletir e prestar mais atenção.

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