A rua do descanso

Peter Rossi

Minha cidade, uma antiga cidade, vive empoleirada nas montanhas de Minas, deitada, espreguiçando sobre as pedras cuja altura nos permite ver ao longe. Vista de cima, mais parece uma colcha de casas, estendida em desalinho. Em volta, montanhas verdes, montanhas de pedra, montanhas rasgadas em suas entranhas, com o minério de ferro jorrando a não estancar.

Nova Lima e suas ruas calçadas, ruas desengonçadas, ruas apertadas. Ruas alucinadas até, num trejeito pouco comum, a serpentear permeando as casas debruçadas às suas margens.

Casas geminadas, os “bonserás”, cujo nome nunca consegui entender. Uma parede a dividir sonhos e ambições, a esconder sussurros e gritos de amor. Via de regra, casas caiadas com bainhas em azul ou verde.

Um cenário lúdico a envolver minha infância de tal maneira que na minha velhice ainda não sai da minha mente e do meu coração.

Falava das ruas da minha cidade e suas pedras polidas a fazer do passeio de bicicleta uma aventura completa.

Mas uma delas, partindo quase que da praça central, tem um viés especial. É a rua do descanso, embora inclinada a quase setenta graus, a desembocar perto da Rua Nova. Falo dele mesmo, do zigue-zague.

Uma rua, que de tão íngreme é desenhada em várias ruas, com pequenas inclinações, como a desenhar uma letra “z” acima da outra. Com isso, aquele que por lá passa jamais será incomodado por veículos, pode caminhar com tranquilidade, gastando o tempo que pretender. O esforço fica minimizado pela redução das inclinações. Cada esquina da rua em si começa de um lado do passeio para terminar na outra extremidade.

Quem por ali passa cumprimenta cada uma das casas e seus moradores. Sai da frente da casa de D. Mariquinha para logo chegar, dois metros acima, na janela da casa da Professora Marisa. A rua parece desenhada com tal finalidade também: aproximar as pessoas. Não se sai incólume de rápida visita ao caminhar pelo zigue-zague.

O mais divertido é imaginar que nós, meninos, subíamos e descíamos só para de novo subir e com olhares pequenos divisar o mundo lá em cima, ora visto da esquerda pra direita, ora da direita pra esquerda.

Não conheço outras cidades, pelo menos agora não estou me lembrando, que tenham zigue-zagues tão charmosos a convidar o transeunte a ir do céu à terra esquecendo por completo a árdua jornada.

Indo por ali as sacolas são mais leves, uma enorme subida é formada por pequenas subidinhas, divididas entre uma vizinha e outra. Quem fez o zigue-zague, com certeza, pensou em amenizar a jornada e, ao seu final, permitir à senhora olhar pra baixo e ver quão bonita é a cidade.

Quem teve a magistral ideia, ainda que assim não pensasse – o que eu duvido, fez um caminho a dar no céu. E é verdade. Na parte de baixo, queixos erguidos e cabeças empinadas, vemos no final da rua o céu. É como o encontro do mar com as nuvens. Chega um momento que a nossa visão multiplica a perspectiva e só exaure a imagem no encontro entre o fim e o começo.

O zigue-zague tem essa característica – ele nunca acaba, como num brinquedo de madeira em que a bolinha corre de um lado para o outro, ainda que mansamente, até atingir a parte de baixo do tabuleiro. Basta a gente virar esse mesmo tabuleiro de ponta e cabeça e o jogo recomeça, o que era o final, num passe de mágica, vira o começo.

Na noite vira uma passarela, e a gente tem a noção de que podemos ficar no começo com as peneiras em punho, a colher as estrelas que irão descer, bem devagarinho, caminhando da esquerda para a direita e da direita para a esquerda.

A vida é mesmo assim, tudo acontece em zigue-zague, são os problemas que acabavam, são os filhos que começam, são os amores que se perdem, e ficamos nós, simplesmente, a colher as estrelas da nossa saudade, faceiras que são a iluminar a nossa esperança.

Minha cidade tem esse tapete esticado em zigue-zague, como a facilitar nossos caminhos e embrulhar nossos medos em papel crepom, bem colorido, que de tão brilhantes, se esquecem ao que vieram. Talvez tontos de tanto andar de um lado para o outro. Melhor assim!

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