A bela e a fera

Daniela Mata Machado

“Enquanto todo mundo espera a cura do mal

E a loucura finge que isso tudo é normal

Eu finjo ter paciência…”

A verdade é que eu pensava que ia durar menos tempo. Pensava que a dor seria mais suportável. Pensava que eu já tivesse aprendido muitas coisas e que elas me seriam úteis. Pensava que já tivesse alguma sabedoria. Eu realmente pensava muitas coisas sobre mim, sobre o mundo, sobre a vida e sobre a humanidade quando, há dois anos e meio, nos trancaram dentro de casa por conta de um vírus que mudaria os rumos da vida de todos e da de cada um.

Eu pensava muitas coisas e não sabia quase nada. Não sabia absolutamente nada do quanto eu ainda era (sou) profundamente frágil. E também desconhecia quase tudo sobre uma força que não imaginava que tinha. A força de resistir e sobreviver quando me parece sempre mais fácil e menos doloroso entregar os pontos e desistir.

Nem nas minhas previsões mais pessimistas eu imaginei que duraria tanto. E não, eu não estou falando do vírus, embora só tenha finalmente adoecido na semana passada, após tomar as três doses da vacina. E sim, já estou bem. Do vírus.

O que eu não imaginava e sequer compreendia era o tempo que dura uma carta da Força. Sim, mais uma vez eu estou falando do tarot. A carta com aquela figura feminina domando um leão de boca aberta como quem acaricia um gato sempre foi uma coisa meio estranha pra mim. A minha força sempre foi mais bruta e sempre falou grosso com minhas próprias fraquezas, até pra não deixar elas tomarem conta porque nada me assombra mais do que a imagem de Alice – sim, a de Lewis Carrol – se afogando no mar das suas próprias lágrimas.

Nos últimos dois anos e meio, dezenas – talvez centenas – de vezes, eu pedi aos amigos botes salva-vidas que me impedissem de afogar em minhas próprias lágrimas. E como eu sou grata a eles, meu Deus! Porque me salvaram inúmeras vezes e jamais se cansaram de mim. A cada vez que eu tirava a carta da Força achava que estava mais e mais distante daquela domadora de leões internos. Me sentia a própria carta da fraqueza, se houvesse dela uma representação no baralho.

Hoje eu entendi que a vida nos joga dentro do liquidificador para que a gente amoleça. E é só quando não há mais o que triturar que a gente descobre como domar um leão acariciando-lhe a nuca. O corpo está tão moído que a voz já não sai grossa. Não há força pra brigar contra a própria fragilidade. E a gente, então, descobre que a força é a própria fragilidade. A própria vulnerabilidade. A própria incapacidade de seguir brigando. A gente acaricia a nuca do leão porque já não se sente capaz de lutar contra ele. E é então que ele se inclina, como um gato de armazém, e cede, rendido. 

Ainda não sei quanto tempo vai durar tudo isso ou que caminhos vou percorrer nessa jornada do tarot. Mas cá estou, com o corpo rendido e a alma exposta, de certo modo satisfeita por ter finalmente compreendido a carta da Força.

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