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“Maria,
Hoje acordei pensando em ti. Espero que me perdoe o mau jeito. Faz tempo que penso em te escrever, mas meus dedos não obedecem os comandos do meu cérebro, que está ocupado demais tentando acalmar meu coração. Mas pensei em te mandar essa postagem para contar como tem sido as coisas por aqui.
Começa a fazer frio, então tive que tirar as cobertas que estavam entaladas no guarda-roupa para que me sirvam durante a noite. Os dias, ao contrário, são quentes, então sempre parece que uma fogueira ambulante anda colada nas minhas costas. Embora eu ame calor, e já tenhamos tido discussões sobre isso, haja desodorante.
Hoje redescobri o significado de ternura quando passei horas com uma amiga ao telefone discutindo sobre a rotina. Coisas bobas do dia a dia, mas que nos arrancam ótimas risadas. Outro dia, um amigo me telefonou para me pedir um conselho. Acho que estou me sentindo em casa de novo.
Ontem redescobri o significado de coragem, quando entrei em uma briga para defender uma pessoa que estava sendo injustiçada. É certo que parti alguns corações com isso, mas as pessoas que estavam em roda falando mal de outra, partiram o meu antes.
Não tenho visto muitas notícias, você sabe do meu vício em trabalho. Tenho me dedicado a muitas urgências ao mesmo tempo, e isso atrapalha algumas coisas, mas não muitas, então você não precisa se preocupar. Mas, sabe, eu tenho sentido uma pontada no meu coração….
Mas, além disso, outras coisas foram ganhando novos termos, mudando de formas. Amigos se tornaram completos estranhos, completos estranhos se tornaram íntimos. Amores se tornaram colegas, que se te tornaram números somados na agenda.
Não sou adepta a mudanças. Dia desses, quando tive que mudar de lugar no escritório, quase tive um troço. Você sabe, eu sou uma pessoa muito bagunçada, principalmente com minúcias e coisas que podem ser espalhadas. Mas eu me acho na minha bagunça, isso não deveria contar?
Bom, vou terminar meu relato aqui. Tenho certeza que você deve estar em algum lugar interessante, fazendo coisas interessantes com pessoas interessantes. Outro dia descobri que é possível protestar sem sair de casa. Me pergunto se isso não é interessante o suficiente para você.
Com amor,
Laura
30/04/2020
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Laura,
Eu poderia demorar aqui em meu conto sobre o quão interessante tem sido tudo isso, mas senti a ironia em todas as suas colocações sobre. Mas não se preocupe, enquanto lia, sorri.
Vou à Belo Horizonte mês que vem. Parece que coisas interessantes estarão acontecendo por aí, que tal um café? Sei que você não é de poucas palavras, muito menos de confiar nas ternuras alheias. Estarei no Cine Café Brasil, dia 09/09, às 15h. Te vejo lá?
Com amor,
Maria
02/08/2020
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– O que você está fazendo?
– Encontrei essas cartas antigas que minha mãe trocava com uma amiga. Não tenho certeza se eram só amigas, mas quem sou eu para julgar.
– O que aconteceu com ela?
– Ah, o que sempre acontece com todo mundo, a vida. Ela viajava muito, e minha mãe estava sempre focada no trabalho, tinha pouco tempo para muita coisa. E minha mãe decidiu se entregar a ternuras alheias. Por isso estou aqui.
– E o que dizem as cartas?
– São elas combinando de irem tomar um café. Há muitos anos, quando as pessoas ainda faziam isso.
– E será que elas se encontraram?
– Não sei. Espero que sim. E espero que tenham aproveitado. Acho que essa foi a última vez que se viram. Nem sei porque minha mãe guardou essas cartas.
– Parece que o caminhão da mudança chegou.
– Ah, eu odeio mudança! Vou lá no quarto ver se já está tudo empacotado.
– Certo, vou levar essas coisas aqui.
Caída no chão do sótão, quase compondo a mobília, uma foto. Nela, duas mulheres se entreolham, segurando xícaras de café e sorrindo. No verso: Maria e Laura – 09/09/2020 – Cine Café Brasil.
– Peguei todas as caixas, você vai querer limpar?
– Não, vou pedir para alguém fazer isso, além do mais, quero estar descansada para o nosso voo.
– Tudo bem, então vamos embora. Adeus, casa.
– Adeus, casa.
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