A difícil missão de transferir votos

Eduardo de Ávila

Acompanho esse movimento eleitoral, desde os anos 60, lá na minha Araxá e no distrito de Argenita na vizinha cidade de Ibiá. Lá meu pai tinha uma pequena propriedade rural e os votos – ainda na época das marmitas (sistema de coleta) – não eram nada invioláveis. O cabo eleitoral, com crachá de fiscal, ia com o eleitor até dentro da sala de votação e esperava o depósito na urna devassável.

Naquele tempo, a realidade era outra. Muito mais romântica, as disputas eram acirradas, porém o respeito às pessoas e adversários eram observados entre vencedores e perdedores. Na atualidade, notadamente por um dos lados dessa polarização, a ausência da cordialidade deu lugar até mesmo a medo de um lado e vergonha do outro por declarar as escolhas.

Em meio a isso que estamos assistindo, passado apenas dez dias do primeiro turno e faltando menos de vinte para a eleição definitiva do Presidente da República, atônitos somos bombardeados por fake news com tantas mentiras e manifestações de apoio que assustam e desapontam parte do eleitorado que acreditou em determinada proposta no dia 2 de outubro passado.

Mas, deixando de lado outras tergiversantes que me seriam permitidas, vou direto ao apoio do governador Zema ao candidato Bolsonaro. Não me surpreende, porém me preocupa muito, uma vez que – conforme ele mesmo declarou no primeiro mandato – sua relação com Brasília era institucional. Assim, como quero crer, deverá ser no seu segundo e já assegurado mandato.

Só entendi que foi muito açodada, deixando explícito – quando ouvi dizer em ptfobia – que faltou mineiridade e espírito conciliador que as montanhas de Minas Gerais sempre ofereceram ao Brasil. Exemplos não faltam. Afonso Pena, Juscelino, Tancredo e Itamar. O pior, fez nascer em muitos que votaram nele e em Lula algo similar e na mão contrária. A novofobia. Partido recém criado e com ideias antigas e já rejeitadas, como disse semana passada, quem venceu foi Zema e não essa gurilândia.

Partidinho conservador, nascido nas coxas de meia dúzia de empresários que em nada honram a tradição e desejo de medidas conciliatórias, querem vender uma falsa moralidade. O resultado das eleições, quadro anexo comparativo, deveria ter norteado essa intenção apressada em defender interesses de quem influenciou nessa triste opção.

Entretanto, esses mesmos números e outros, comprovam que o governador reeleito – bom de voto por seus próprios méritos, mas ainda não demonstrou o carisma de transferência de votos. Diferente de um Hélio Garcia, para ficar apenas num exemplo doméstico, que elegeu no seu colo Sérgio Ferrara para a Prefeitura de Belo Horizonte e os governadores Newton Cardoso e Eduardo Azeredo. Garcia bancou Ferrara e Azeredo e – no caso do Newton – engoliu e elegeu também o trator mineiro.

No caso do atual governador Zema, vejamos. Em Araxá, terrinha natal minha e dele, nas eleições municipais de 2020, o candidato do novo ficou em terceiro lugar – com 5,26% dos votos – enquanto a segunda colocada teve 28,38% e o eleito 52,79%. Não bastasse esses números, trago aqui o desempenho desse nanico partidinho nas eleições deste ano. Em Minas, tinha dois deputados federais, não elegeu nenhum. Dos três estaduais eleitos em 2018, agora são apenas dois, nenhum reeleito. Ambos os eleitos são exatamente o contrário da pregação do falso purismo do novo, que abomina a classe política. Um é ex-prefeito de Ouro Fino e o outro neto e filho de ex-parlamentares.

Para fechar essa prosa ruim de hoje, vou além, esses garotinhos do novo estão iniciando um processo estúpido (borrada) de relacionamento com a nova Assembleia. Merece e pode ainda ser corrigido pela ação do governador. 1) eleição da mesa, o Executivo participa ouvindo os aliados e não impondo o desejo de assessores figurantes do governo; 2) a escolha da Assembleia para o Tribunal de Vontas, tradicionalmente, é respeitada e não objeto de embate. Era o que tinha para mais uma terça-feira aqui com essa confraria do Mirante.

Ah! Mais um pitaco. Ouvi atentamente o bom discurso do ex-presidente Lula em Belo Horizonte no domingo. Em momento algum, conforme corre numa fake news – tática de boçalnaristas -, ele teria ameaçado discriminar o Estado num eventual retorno à PR. Desafio o governador eleito a se pronunciar a respeito de mais uma fake news patrocinada pelo grupo de apoiadores do seu candidato. Ele tem legitimidade para desmentir isso, e seria digno que assim o fizesse. Caso contrário, a decepção minha e de muitos mineiros que votaram Lula/Zema (segundo cálculos, em torno de dois milhões de eleitores) será ainda muito maior que já tem sido. Pois, se não se manifestar, comprovado ficará que faz o mesmo jogo dessa gente que optou por emprestar seu apoio. Gostaria que meu candidato já reeleito demonstrasse grandeza e dignidade.

Vamos aguardar!

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4 comentários sobre “A difícil missão de transferir votos

  1. Bom dia! As mentiras não são unilaterais. A falta de coridialidade não é unilateral. Nunca foram. Hoje ambas apenas ganharam maiores proporções porque as redes sociais de uma hora para outra deram voz a todos e, infelizmente, poucos sabem utilizar as atuais ferramentas, não conferem veracidade de vídeos, acham que nao se deve respeitar pessoas no mundo virtual, etc. Aliás, com todo respeito que tenho pelo meu colega autor (e não é pouco), quando se chama os integrantes do Novo de “garotinhos” não é uma falta de cordialidade?

  2. O Sr. Romeu Zema tem duas marcas explícitas: é um bom administrador dos seus bens e do bem de todos, e um péssimo político. Já nasceu administrador e, pelo que demonstra, vai morrer sem ser político.

  3. Muito bem observado, Eduardo.
    Eu estava a 20 metros de Lula quando ele fez o pronunciamento na praça da Liberdade.
    Fará muito bem a Zema ouvir Lula, aprender com Lula.
    Espero que ele ouça o vídeo que você incluiu na matéria. É de apenas pouco mais de um minuto. E que depois ouça com atenção, com o coração sem rancor, o vídeo completo.
    Lula, mais velho, fala de pai para filho.
    E que conversem depois. Que com comunicação não violenta aceitem ouvir as necessidades do Brasil e do mundo para o bem comum.

  4. Mais doloroso do quê o dente de uma cobra é ter um filho ingrato! A política sempre esteve acima da consciência, por isso políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos pelo mesmo motivo.

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